Piuco, T.; Pinho, R.; Poletti, C. y Famer, C. (2021). Diferentes modos de existencia en posgrado:
prácticas de cuidado entre salud y educación. Cuestiones de Filosofía, 7 (29), 101-119.
https://doi.org/10.19053/01235095.v7.n29.2021.13251
101
Diferentes modos de existencia en posgrado:
prácticas de cuidado entre salud y educación
Different modes of existence in graduate studies:
care practice between health and education
Thainan Piuco
1
Roberta de Pinho Silveira
2
Cristian Poletti Mossi
3
Cristianne Maria Famer Rocha
4
Recepción: 21 de julio del 2021
Evaluación: 19 de agosto del 2021
Aceptación: 26 de agosto del 2021
1
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação (UFRGS), licenciado em Ciências
Sociais (UFRGS).
Correo electnico: piucothainan@gmail.com
2
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (UFRGS). Mestra em Saúde Coletiva
(UFRGS), Bacharel em Fisioterapia (IPA).
Correo electnico: betadepinho@gmail.com
3
Doutor no Programa de Pós-graduão em Educação (UFSM), Mestre no Programa de Pós-
graduação em Artes Visuais (UFSM), Bacharel e Licenciado em Desenho e Plástica (UFSM).
Correo electnico: cristianmossi@gmail.com
4
Doutora e Mestre no Programa de Pós-Graduação em Educação (UFRGS), Bacharel em
Comunicação Social (PUCRS).
Correo electnico: rcristianne@gmail.com
Artículo de investigación
Cuestiones de Filosofía
ISSN: 0123-5095
E-ISSN: 2389-9441
Vol. 7 – Nº 29
Julio - diciembre, año 2021
pp. 101-119
102
Cuestiones de Filosofía No. 29 - Vol. 7 Año 2021 ISSN 0123-5095 Tunja-Colombia
Resumen
El artículo presenta diferentes formas (o posibilidades) de producir
investigación en el ámbito de la salud y la educación, a partir de autores de
la filosofía francesa contemporánea, en particular Michel Foucault, Gilles
Deleuze y Étienne Souriau. Nuestra intención al dar cuenta de las experiencias
de investigación vividas (y en proceso), fue señalar la multiplicidad y la
potencia de las nuevas prácticas de cuidado tanto en el ámbito de la salud
como en la educación, así como los nuevos modos de existencia, guiados
por continuos assujeitamentos y desassujeitamentos. La investigación que
aquí se presenta es desarrollada en dos programas de postgrado de una
universidad pública brasileña, y pretende hacer pensar y lanzar algunas
propuestas posibles, trazando líneas que puedan, de alguna manera, cruzar
las dos investigaciones en lo que llamaremos de economía del cuidado. Las
preguntas planteadas en este trabajo buscan, finalmente, inspirar para que
otras producciones sean posibles en las intersecciones –no triviales– entre
diferentes áreas del conocimiento.
Palabras clave: prácticas asistenciales, modos de existencia, salud,
educación.
Abstract
The article presents different ways (or possibilities) of producing research
in the field of health and education, based on authors from the field of
contemporary French philosophy, in particular Michel Foucault, Gilles
Deleuze and Étienne Souriau. Our intention, when reporting the research
experiences (and in process), was to point to multiplicity as a potency for
new care practices, either in health or education (the focus of this text), as
well as new ways of existence, guided by continuous assujeitamentos and
desassujeitamentos. The research presented here is being developed in the
scope of two graduate programs at a public Brazilian university and seeks to
resonate to (make us) think and launch some possible propositions by tracing
lines that, in some way, may cross the two investigations in what we will call
the economy of care. The questions presented here seek, finally, to instigate
other possible productions at the intersections –not trivial– between different
areas of knowledge.
Keywords: caring practices, modes of existence, health, education.
Piuco, T.; Pinho, R.; Poletti, C. y Famer, C. (2021). Diferentes modos de existencia en posgrado:
prácticas de cuidado entre salud y educación. Cuestiones de Filosofía, 7 (29), 101-119.
https://doi.org/10.19053/01235095.v7.n29.2021.13251
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Introdução
Nada existe por si só, tudo precisa ser completado. Nada nos é dado, nem nós
mesmos, senão sob uma espécie de meia-luz, uma penumbra na qual apenas
a incompletude pode ser compreendida, onde nada possui presença plena ou
realização total (Souriau, 2020, p. 220).
Somos permanentemente inacabados, em construção, plurais ou, ainda, uma
obra de arte em processo, trabalhada dia a dia, através de diferentes estratégias
de produção, criação, sujeição/assujeitamento e dessubjetivação. Pensar-nos
não como unidades acabadas, mas como existências em devir, compostas
por multiplicidades nem sempre convergentes é, talvez, uma das proposições
que aproxima Étienne Souriau, Michel Foucault e Gilles Deleuze, escolhidos
para nos acompanhar como intercessores nesta escrita.
Suas indagações e produções ocorreram em períodos relativamente próximos
(Souriau de 1920 a 1970, Foucault e Deleuze de 1950 a 1990) e em um mesmo
contexto geográfico-filosófico (na França). Por diversas vias os três autores
discutem –fazendo o uso de criações conceituais singulares– diferentes
modos de existência, de tal forma a nos colocar a pensar, especificamente
aqui, sobre nossas próprias experiências na pós-graduação, nos e entre os
campos da educação e da saúde.
Neste texto, portanto, apresentaremos experiências de pesquisa e orientação
na pós-graduação que, entendemos, além de serem nichos de produção de
saberes –aqui estamos falando especificamente das áreas da saúde e da
educação, onde nos inserimos academicamente–, também são espaços-
tempos onde indivíduos trabalham sobre si, vivenciando experiências que
os subjetivam/assujeitam/dessubjetivam. Nesses espaços, afirmam(os)
diferentes modos de existência –os seus e os dos elementos que fazem viver
através de suas pesquisas. Pretendemos, assim, olhar para esses processos
em multiplicidade como práticas de criação e cuidado de si– quer dizer –
experimentações que produzem não somente uma ética, mas uma ética-
estética-política por onde se inserem e circulam, uma vez que o cuidado de
si se dá em relação, nunca em separação. Trata-se, conforme Deleuze, ao
comentar a obra de Foucault, de uma:
(...) relação consigo que nos permita resistir, furtar-nos, fazer a vida ou a morte
voltarem-se contra o poder (...) Não se trata mais de formas determinadas,
como no saber, nem de regras coercitivas, como no poder: trata-se de regras
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Cuestiones de Filosofía No. 29 - Vol. 7 Año 2021 ISSN 0123-5095 Tunja-Colombia
facultativas que produzem a existência como obra de arte, regras ao mesmo
tempo éticas e estéticas que constituem modos de existência ou estilos de
vida (Deleuze, 1992, p. 123).
O cuidado de si é trabalho árduo: exige experimentação prolongada no espaço-
tempo, não apenas pontual, e, para que isso aconteça, é preciso a produção
de uma ética, uma forma de viver para conduzir, sobretudo, a si próprio,
mas também a outrem (outros alguéns), uma vez que, nessa perspectiva, só
nos constituímos em relação, contágio, contaminação. David Lapoujade, ao
remeter-se à “filosofia dos gestos” de Souriau, pergunta-se quais gestos são
possíveis para instaurar, quer dizer, fazer existir, um modo de vida. Afinal,
“experimentar é tentar responder da melhor maneira possível a perguntas
constantemente não formuladas” (Lapoujade, 2017, p. 78).
Essa escrita se ensaia em torno das questões até aqui propostas, ao passo
que também formula novas indagações ao encontrar-se imersa em duas
experiências localizadas em diferentes lugares de atuação e investigação.
Segundo Foucault “(...) a experiência (...) tem por função arrancar o sujeito de
si próprio, [de] fazer com que não seja mais ele próprio [e] seja levado a seu
aniquilamento ou à sua dissolução. É uma empreitada de dessubjetivação”
(2010, p. 291).
Destarte, nos parece importante afirmar que os quatro pares de mãos que aqui
escrevem possuem formações acadêmicas muito distintas umas das outras,
e, diferentemente de certa perspectiva que poderia considerar tal pluralidade
como a falta de uma unidade coerente, propomos tal composição como
singularidade que evidencia uma força motriz de criação e experimentação
com e entre os campos onde atuamos, enquanto docentes e pesquisadores.
Apostamos, assim, na potência da fragmentação a qual, ao contrário de
querer encontrar uma unidade perdida, se engaja em mais e mais conexões a
n dimensões (Deleuze e Guattari, 1995).
Nesse sentido, novamente com Foucault, compreendemos que “a experiência
é tentar chegar a um certo ponto da vida que seja o mais perto possível do não
possível de ser vivido. O que é requerido é o máximo de intensidade, e, ao
mesmo tempo, de impossibilidade (...)” (2010, p. 291).
Com tal aposta em mente, a seguir apresentaremos dois relatos de
investigações realizadas no âmbito da pós-graduação: uma na área da saúde
Piuco, T.; Pinho, R.; Poletti, C. y Famer, C. (2021). Diferentes modos de existencia en posgrado:
prácticas de cuidado entre salud y educación. Cuestiones de Filosofía, 7 (29), 101-119.
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e outra na área da educação. Após explanar brevemente sobre as temáticas
e problemáticas centrais de ambas, nos deteremos nos modos de existência
que cada uma coloca em jogo em nossos contextos de pós-graduação e,
assim, que práticas de cuidado cada uma implica para, finalmente, lançarmos
algumas proposições possíveis através do traçado de linhas que, de algum
modo, podem atravessar as duas investigações naquilo que chamaremos de
economia do cuidado.
Experimentações em saúde
Os modos como uma sociedade orienta a atenção à saúde e suas maneiras
de promover os cuidados possibilitam maior ou menor intensidade para
determinados modos de existência. As práticas de cuidado em saúde –aquelas
que nos são acessíveis– nos oferecem modos de pensar e conduzir o corpo
nos processos de saúde e doença, além de estabelecer regimes de verdade
acerca das mais diversas dimensões da vida, modos pelos quais se fabricam
subjetividades.
Os discursos sanitários produzidos em nossa sociedade nos orientam com suas
verdades científicas, cuja legitimidade se estabelece por meio de estratégias
biopolíticas que, para Foucault (2000; 2008), são aquelas estratégias que se
ocupam da população (e não apenas dos indivíduos em particular) e visam
racionalizar os problemas coletivos e garantir a máxima utilidade dessa
população para a produção de bens e riquezas e outros indivíduos. Tais
estratégias que buscam, por um lado, produzir subjetividades e condutas e, por
outro, silenciar outros modos de existir que não se dão através dos discursos
e práticas convergentes à razão científica moderna e, mais precisamente, em
nossa atualidade, à razão neoliberal.
Nesse contexto, as pesquisas que produzimos junto ao Programa de Pós-
graduação em Enfermagem e no Grupo de Estudos em Promoção da Saúde
(GEPS), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), buscam
problematizar os discursos e as práticas que constituem as realidades acerca
dos corpos, da saúde e dos modos de levar a vida. Tratam-se de pesquisas
situadas no referencial teórico e metodológico proposto por filósofos como
Michel Foucault e Gilles Deleuze, mas, também, nos Estudos Feministas,
como os de Margareth Rago e Silvia Federici e, ainda, com autores
decoloniais como Achille Mbembe. Tais autores nos oferecem conceitos-
ferramentas, com os quais podemos ensaiar o pensamento, a escrita e a
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Cuestiones de Filosofía No. 29 - Vol. 7 Año 2021 ISSN 0123-5095 Tunja-Colombia
vida (Larrosa, 2004), num exercício crítico capaz de fazer ver a história dos
discursos e das práticas, seus efeitos, as disputas que os delimitam, os jogos
de verdade que tecem a composição das realidades e suas materialidades,
entre outras ações possíveis. Nesse sentido, possibilitam maior ou menor
intensidade para a instauração dos modos de existência não convergentes às
formas hegemônicas, disciplinadas e normalizadas com vistas à produção de
uma homogeneização inimiga da diversidade e que não reconhece os outros/
as (os diferentes em relação a qualquer aspecto da vida) como possíveis e
desejáveis.
Ao procurar olhar as possíveis existências que já compõem este mundo,
bem como as que estão por vir, nos interessa saber as maneiras pelas quais
se dão determinadas práticas, como se constituem e que efeitos provocam.
Assim, não buscamos a verdade definitiva das existências, como se isso fosse
possível, mas o exercício do pensamento crítico, seguindo Foucault (2005, p.
302), “por lampejos imaginativos”. Buscamos instaurar, assim, outros modos
de existência. Portanto, a noção de crítica em Foucault está relacionada às
práticas que fazem viver, que dão visibilidade a acontecimentos e saberes
silenciados, acolhe e comemora outras experimentações, discursos e modos
de existência, não aderindo a julgamentos em nome de uma verdade única
(Rago, 2015).
Ainda, conforme Rago, o exercício da crítica nos mostra as configurações
que conformam e contornam o objeto, as práticas que o constituem,
desconstroem os discursos lineares, pois “(...) é preciso deslegitimar o
presente, desfazendo o fio da continuidade histórica, que sustentam as
noções de identidade e de natureza humana. É preciso reler o passado
e construir novas narrativas históricas” (p. 257). A noção de crítica e
pensamento filosófico em Foucault está intimamente relacionada à história,
procurando aí conhecer o passado, olhando com atenção para as coisas que
parecem não ter importância e que foram sistematicamente invisibilizadas
(ou esquecidas).
Entre os discursos e as práticas que muito frequentemente atravessam nossos
objetos de pesquisa figuram aqueles acerca do autocuidado, que marcam
fortemente as políticas de Promoção da Saúde no Brasil, mas também
no mundo, conforme podemos perceber ao analisar os documentos de
instituições como a Organização Mundial da Saúde (Silveira, 2018). Com a
Piuco, T.; Pinho, R.; Poletti, C. y Famer, C. (2021). Diferentes modos de existencia en posgrado:
prácticas de cuidado entre salud y educación. Cuestiones de Filosofía, 7 (29), 101-119.
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pandemia de Covid-19, os efeitos do autocuidado, como regime de verdade
sanitário, podem ser percebidos com maior intensidade, seja pela exposição
de algumas vidas aos riscos da doença –como o das enfermeiras na linha de
frente da situação emergencial–, seja no não aproveitamento das estruturas e
estratégias de cuidado já existentes, que poderiam ser usadas na assistência e
orientação da população quanto à prevenção e contaminação pelo coronavírus
e à continuidade do cuidado daqueles usuários já em tratamento para outras
doenças (Medina, 2020).
Nesse sentido, percebemos que o discurso sanitário do autocuidado como
única alternativa ao enfrentamento da Covid-19 busca esvaziar a potência do
cuidado à saúde de forma coletiva e ampliada, como se bastasse a circulação
de informações para que todas as pessoas pudessem cuidar da própria saúde
ou como se as determinações sociais e comerciais da saúde não fossem
fatores importantes e indispensáveis na produção do cuidado à saúde.
A precarização do sistema público de saúde, em decorrência das crises e
políticas de austeridade praticadas pelo capitalismo neoliberal, faz com que
o cuidado à saúde dos indivíduos e coletividades seja operado numa lógica
mercantilista, onde as pessoas têm suas existências tomadas enquanto um
corpo, do qual deve se extrair o máximo lucro, e uma coletividade, constituída
enquanto população, à qual é preciso governar, controlar e vigiar para que
não sejam cometidos desvios, excessos ou, pior, manifestações coletivas que
possam contrapor a lógica da produtividade máxima. Para tal empreendimento,
é necessário fazer circular discursos e práticas de autocuidado em saúde,
produzindo uma medicalização da vida, como um dispositivo central das
estratégias biopolíticas, que operam uma patologização da vida e dos corpos,
tornando impossível descrever experiências com o corpo humano que não
passem, em algum sentido, pelo saber médico (Zorzanelli, 2014).
Esse excesso de intervencionismo médico, sobre os corpos e as vidas das
pessoas, se relaciona, de acordo com Costa (2004), aos interesses do mercado
de bens e serviços de saúde, mas, também, produzem discursos de verdade
acerca de como devemos nos conduzir na vida. Assim, podemos perceber que a
medicalização opera uma estratégia de saber-poder que produz subjetividades
tanto entre os profissionais de saúde, quanto na população em geral. A
medicina foi fundamental para a produção de uma população normalizada
(Foucault, 2014), pois tal processo garantiu –e segue garantindo– o exercício
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Cuestiones de Filosofía No. 29 - Vol. 7 Año 2021 ISSN 0123-5095 Tunja-Colombia
do poder pelo governo das condutas. Nesse sentido, o discurso sanitário do
autocuidado cumpre com uma tarefa produtiva do poder de incitar o desejo
por meio de discursos de verdade sobre como devemos nos conduzir para nos
adequarmos aos modos de existências subjetivados e objetivados por uma
racionalidade neoliberal.
No caso da enfermagem, embora ela seja uma profissão que nasceu
como uma prática auxiliar da prática médica e, portanto, desenvolvida
dentro da instituição hospitalar, segundo o saber médico que se produziu
na modernidade (Kruse, 2006), é também a profissão pela qual é dada às
mulheres a possibilidade de participação social performando as enfermeiras,
de tal maneira que poderiam variar da performatividade de filhas, esposas,
mães ou freiras. Mesmo que tal variação não escapasse da subjugação
por tutelas masculinas, assim como também não escapassem das práticas
disciplinares, ainda assim abria-se alguma brecha para a diferença, pois ao
menos saíam, um pouco, da igreja ou do ambiente doméstico.
Em tempos anteriores, segundo Federici (2017), por volta do fim do período
feudal, as mulheres ainda não haviam sido obrigadas a manterem-se nos
limites domésticos da casa ou da igreja. Nessa época, as mulheres camponesas
encontravam mais chances para exercer alguma autonomia em relação aos
homens, pois o trabalho no campo as reunia e a possibilidade de produzir
modos de existência comunais em territórios menos vigiados como florestas,
prados, campos, fez com que desenvolvessem saberes importantes sobre o
corpo, a alimentação, a saúde, entre outros, que garantiu que elas fossem
reconhecidas como sábias e permitiu que mobilizassem revoltas camponesas.
Na percepção de Federici (2017), o capitalismo foi uma contrarrevolução
realizada como resposta à força insurgente das revoltas camponesas, sua
organização comunal, seus saberes medicinais ou suas práticas pagãs.
Essa contrarrevolução usou a violência do poder soberano, vigente na época,
contra as mulheres, que detinham saberes que davam corpo a outros modos
de vida. Através da caça às bruxas, que durou por volta de três séculos, foram
assassinadas milhares de mulheres na Europa e também povos originários
das colônias. Nesse sentido, podemos perceber que o capitalismo, desde sua
origem, utiliza estratégias de aniquilamento e morte de todos os modos de
existência que coloquem sua hegemonia em risco. Quer seja por estratégias
necropolíticas (Mbembe, 2017), que expõem os corpos ao suplício e os fazem
Piuco, T.; Pinho, R.; Poletti, C. y Famer, C. (2021). Diferentes modos de existencia en posgrado:
prácticas de cuidado entre salud y educación. Cuestiones de Filosofía, 7 (29), 101-119.
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morrer, ou estratégias biopolíticas, que governam as condutas por meio de
uma liberdade normalizada e um discurso pró-vida, mas que deixam morrer
aqueles que não lhes convêm.
Experimentações em educação
No âmbito do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEDU), temos
produzido pesquisas com/entre arte, educação e filosofia, áreas que se
cruzam em um movimento de borramento de fronteiras pré-estabelecidas,
ou até mesmo de dissolução das mesmas. As pesquisas vêm sendo realizadas
no contexto do POVOAR
5
, grupo de estudos que conta com colaboradores
interessados em diferentes temáticas e estudantes do PPGEDU vindos de
várias áreas do conhecimento (ciências sociais, ciências biológicas, geografia,
dança e artes visuais), os quais produzem suas pesquisas em reverberação às
diversas ações do grupo (seminários, debates, proposições artísticas, entre
outras).
Dentre as investigações do grupo, a que trataremos aqui tem dialogado
diretamente com Deleuze e Guattari (1992; 1995; 2012), Foucault (2014;
2020a; 2020b) e Souriau (2020), em torno da seguinte problemática: que
políticas de multiplicidade podem ser instauradas por um professor que
“restografa” uma “escola incomum”? Partindo desta questão, a pesquisa
problematiza exclusões e violências historicamente constituintes do espaço
escolar, sobretudo no que tange às minorias, sobremaneira as “sexopolíticas”
(Preciado, 2011). Em contrapartida, imagina as possibilidades de uma escola
que abarca existências marginais, permite o fluxo de devires, e produz um
território seguro para diferentes modos de existência. Tal escola –nomeada
como uma “escola incomum”– não é almejada pela investigação como um
território ideal a ser conquistado, apartado dos diferentes espaços escolares
por onde o professor-pesquisador já circula, mas como uma escola menor,
vinculada à ideia de uma educação menor (Gallo, 2002), produzida por
restos, cacos, vestígios de uma vida docente atenta às “desimportâncias”,
como nos ensina o poeta Manoel de Barros:
5
Trata-se de ação de extensão paralela à pesquisa intitulada “Povoamentos entre arte, educação e
filosofia: processos de criação e docência”. Endereço onde é possível encontrar alguns fragmentos
das produções do grupo: https://www.instagram.com/estudospovoar/
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Cuestiones de Filosofía No. 29 - Vol. 7 Año 2021 ISSN 0123-5095 Tunja-Colombia
Dou respeito às coisas desimportantes / e aos seres desimportantes. / Prezo
insetos mais que aviões. / Prezo a velocidade / das tartarugas mais que a dos
mísseis. / Tenho em mim esse atraso de nascença. / Eu fui aparelhado / para
gostar de passarinhos. / Tenho abundância de ser feliz por isso. / Meu quintal
é maior do que o mundo (2006, pp. 73-74).
Para tanto, fragmentos dos trânsitos docentes entre diferentes espaços servem
como matéria para a confabulação de uma escola incomum –proposta que a
seguir será aprofundada. Esses fragmentos estamos chamando de “restos”,
pois dizem de tudo aquilo que sobra e, muitas vezes, são tidos como
desimportantes e descartados. Também pensamos “restos” como todas
aquelas existências relegadas às margens, uma vez que fazem seus caminhos
por “fora” de um modelo maior dominante e hegemônico. Daí chamarmos
de “restografia” um método cunhado pela própria investigação, que busca
compor com uma multiplicidade de coisas, seres, forças e vibrações que se
apresentam, sendo elas potências em si mesmas, ou seja, a elas nada falta,
não são peças de um jogo a ser finalizado. Multiplicidades que “(...) são a
própria realidade, e não supõem nenhuma unidade, não entram em nenhuma
totalidade e tampouco remetem a um sujeito” (Deleuze e Guatarri, 1995,
p. 8). Nos processos molares de estratificação, sempre há algo que excede,
sobra, escapa a uma ordem superior, maior, unitária. Um método restográfico
atenta-se a esses extratos, extrai deles (des)importâncias e escreve com eles
grafias tanto ficcionais como reais – dimensões que não tomamos como
opostas.
Esse restografar metodológico na pesquisa científica, com suas múltiplas
materialidades, ativará a ideia de uma “escola incomum” que, por sua vez, é a
aposta na composição de um lugar e de uma postura ética em que as diferenças
não sejam diminuídas, apagadas, homogeneizadas ou inferiorizadas, pelo
contrário, sejam a potência de um fazer-comum. É apostar na potência do
encontro: multiplicidades em conversa, comunhão, movimentação, e não
postas em hierarquia ou comparação (Deleuze e Guatarri, 1995). Essa postura
de uma ética docente –poderíamos chamar assim– não se separa da condução
da própria pesquisa, que pensa constantemente em sua auto fabricação, afinal,
como se faz uma pesquisa e por que alguns modos de se fazer ciência não são
considerados legítimos tanto quanto outros?
Para a perspectiva que estamos aqui propondo, os “dados científicos”
admitem o que, talvez, não esteja tão “dado” assim. As ciências, das humanas
às naturais, guardadas suas especificidades, são tão inventadas quanto as
Piuco, T.; Pinho, R.; Poletti, C. y Famer, C. (2021). Diferentes modos de existencia en posgrado:
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narrativas ficcionais. Não é à toa que a produção de discursos e enunciados,
nas áreas da saúde e educação, em relação a condutas e comportamentos
humanos, foram alvo de estudos por praticamente toda a obra foucaultiana,
mas sobretudo de 1954 a 1969, quando Foucault se ocupou mais em investigar
a constituição de um “sujeito” a partir da produção de certos saberes; e, de
1970 a 1980, as relações com o Poder (das grandes instituições) e com os
poderes micropolíticos (em minúsculo e no plural), esses últimos proliferados
por toda a sociedade e enredados nos processos de subjetivação. Queremos
pensar, em especial, alguns processos de dessubjetivação –as rachaduras nas
verdades pretensamente coerentes, estáveis, conscientes. Pensamos, aqui, em
devires e resistências.
Figura 1: Imagens que compõem pesquisa em educação em tela, a partir de registros
de atividades em sala de aula (respectivamente em 2018, 2019 e 2019).
Fonte: arquivo pessoal (2020).
Os fragmentos restográficos trazidos acima são registros visuais de
atividades realizadas em sala de aula. Eles constroem o “confabulatório”
mundo imaginado de uma escola incomum como dados de pesquisa, matérias
vivas que ganham, certamente, outra forma ao serem inscritos, re-escritos
e transcritos por estas (e nestas) linhas. Desenhos, poemas, rascunhos,
rabiscos, anotações, cenas, diálogos, devaneios, são todos bem-vindos, pois
como escreveu Lapoujade (2017), ao se referir ao “pluralismo existencial”
proposto por Souriau:
(...) cada existência é tão perfeita quanto pode ser. Um pôr do sol, uma fachada
de um edifício, uma ilusão de ótica, uma dança de elétrons, um triângulo
isósceles, uma ideia abstrata. Nesse plano não há nenhuma hierarquia,
112
Cuestiones de Filosofía No. 29 - Vol. 7 Año 2021 ISSN 0123-5095 Tunja-Colombia
nenhuma avaliação possível. A existência não admite grau; cada existência
possui seu modo de ser, intrínseco, incomparável (p. 27).
Feito e efeito de um método interessado mais em grafias menores do que
em análises generalizantes, uma escola incomum não pretende ser, como
ironizou Foucault (2020a), ao tratar dos macro e micropoderes, “um lugar
da grande recusa –alma da revolta, foco de todas as rebeliões, lei pura
do revolucionário” (p. 104). Se fazemos o uso do artigo indefinido “um”
ao nos referirmos a esse modo de pensar e fazer educação, é no sentido
singularizador, jamais no sentido de existir um único e só modo de existir.
Isso recairia na ideia de unicidade (também de universalidade e totalidade)
sendo que partimos, diferentemente, da multiplicidade como perspectiva.
Deleuze e Guattari (2012), diante do exercício ininterrupto de escapar tanto
das generalidades identitárias como das pessoalidades subjetivas, adotam
sempre o artigo indefinido um/uma remetendo “(...) o enunciado não mais a
um sujeito de enunciação, mas a um agenciamento coletivo como condição
[destituindo] todo o sujeito em proveito de um agenciamento (...), que abriga
ou libera o acontecimento naquilo que ele tem de não formado, e de não
efetuável por pessoas” (p. 55).
Uma escola incomum deseja ser espaço plurimodal, ou, dito de outro modo,
território possível e passível de habitar os mais variados e plurais modos
de existência. Nesse sentido, pensamos que a escola e, em especial, o que
propomos como uma escola incomum, pode ser um espaço de resistência, ou
melhor ainda, “(...) resistências, no plural, que são casos únicos: possíveis,
necessárias, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias, planejadas,
arrastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas com compromisso, interessadas
ou fadadas ao sacrificio” (Foucault, 2020a, p. 104).
Ou seja, ainda que pensemos em uma escola-resistência, sobretudo no contexto
brasileiro mais recente (2016-2021)
6
, de avanço de políticas neoliberais,
desmantelamento da educação pública e ataque às liberdades individuais,
ainda assim, são muitas as maneiras de se resistir enquanto escola, professor,
6
Cronologicamente, temos em 2016 a destituição de Dilma Rousseff, primeira presidenta mulher do
Brasil. Logo em seguida, aplicação de cortes em investimentos públicos feitos por seu substituto
(Michel Temer). Em 2018, a eleição de um presidente de extrema-direita, com aumento das
desigualdades e violação de Direitos Humanos, aprofundados, nos anos seguintes, pela pandemia
de Covid-19.
Piuco, T.; Pinho, R.; Poletti, C. y Famer, C. (2021). Diferentes modos de existencia en posgrado:
prácticas de cuidado entre salud y educación. Cuestiones de Filosofía, 7 (29), 101-119.
https://doi.org/10.19053/01235095.v7.n29.2021.13251
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aluno/a/e. Não há um único modo, o que há são modos singulares de afirmar-
se, de viver e existir. O que há, é uma pluralidade de formas, e não uma única
forma que, ao passo que se consolida, se converte em fórmula a ser seguida,
obrigatória e forçosamente.
Em aliança com devir-negro, devir-mulher, devir-gay, devir-trans, devir-
bicha, fabulamos uma escola com/junto –por isso um empreendimento
confabulatório– onde se possa produzir existência ou ainda, como pensou
Lapoujade (2017), dar realidade às existências que não possuem legitimidade
perante às demais. Essas, em particular, sequer adquirem status de existência;
pois são invisíveis, não porque não existam, mas porque passam por um
processo de invisibilização. O autor questiona: “tornar mais reais certas
existências, dar a elas uma posição ou um destaque particular, não é um
meio de legitimar sua maneira de ser, de lhes conferir o direito de existir sob
determinada forma?” (p. 23).
Em especial, chamamos a atenção para as experiências dissidentes do
sistema sexopolítico vigente, são as “multidões queer” de que fala Preciado
(2011). Existências desviantes de um regime cisnormativo, tais como
travestis, mulheres e homens trans, pessoas não-binárias, intersexuais, ou
ainda as que se identificam como “queer”, bem como as experiências de fuga
à heteronormatividade –gays, lésbicas, bissexuais, assexuais. Relembrando
um dos principais conceitos para Deleuze, trata-se, na visão de Preciado,
de um “trabalho de desterritorialização da heterossexualidade, do espaço
urbano, espaço majoritário e do espaço corporal (...) [que] obriga a resistir
aos processos do tornar-se ‘normal’” (p. 14).
Com Foucault (2014), podemos afirmar que se trata de um desejo de construir
suas próprias verdades, ao invés de se sujeitar aos discursos im-postos, ou
seja, incutidos para “dentro”, em processos de subjetivação mais ou menos
violentos, ora sutis, ora mais aparentes. Cada sociedade tem seu regime de
verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que
ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros (2014). Nesse sentido, algumas
existências estão relegadas sob o trágico e indefensável discurso de que são
falsas, incompletas, infundadas. Não são verdadeiras, uma vez que não estão
dentro do que se convencionou como verdade. Não são completas, pois algo
lhes falta. Não possuem fundamento, pois não há nada que lhes confira base,
origem, proveniência. São contestadas quanto ao seu “real” sentido de ser:
por que existem se não há porquê?
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De um lado, estará a realidade (real, verdadeira, natural), do outro, a invenção
(inventada, portanto, falsa, artificial). Ora, se pensamentos novamente com
Foucault (2020b), mais especificamente em História da Sexualidade III:
o cuidado de si, a questão relativa aos nossos desejos não seria de onde
eles partem (origem), nem de quem são (sujeito), nem o porquê (objetivo),
mas como os colocamos em prática, como eles se agenciam com as forças
que se envolvem em determinada relação. A criação de uma ética, em que
diferentemente da moral, não está em jogo o certo ou o errado, o falso ou o
verdadeiro, o bem ou o mal e a sujeição a um destes “lados” –colocados ao
longo da história em rivalidade, oposição, separação radical. Está em jogo,
sobretudo, a produção de um jeito de ser e estar presente, uma estética própria
de existência, inclusive sem o apagamento de forças como bem, mal, erro,
verdade. Contudo, em conjunção, composição, relação, não por imposição
ou submissão.
É precisamente por meio das lógicas binárias que mulheres trans não serão
vistas como “verdadeiras mulheres” e homens gays, em especial os mais
afeminados, não serão considerados “homens de verdade”. As multidões
queer colocam em jogo esses binarismos que não dizem respeito somente a si
mesmas em suas próprias experiências, mas trazem à tona a própria natureza
da existência enquanto uma produção de si e do outro. Desejo de invenção,
tal como almejava Clarice Lispector (2020), em suas recusas de um mundo
dado-como-pronto: “eu não: quero é uma verdade inventada” (p. 20).
Souriau (2020), em “Diferentes modos de existência”, tensiona as tendências
binárias nas discussões acerca da existência: bem e mal, cara ou coroa, forte
ou fraco, ser ou não ser; “há mais de um ser”, ou “o ser é único”; “há apenas
uma maneira de existir” ou, pelo contrário, “há muitas”. Esses e outros
exemplos se inserem naquilo que Souriau considera como um dos problemas
centrais na filosofia: a existência e a redução das definições a partir do “isso
é” (p. 24). Ora, “o que é, é, e ocupa inteiramente sua existência pura” (p.
44). O imperativo-impositivo que nos exige a escolha de um lado, retira a
complexidade das existências e a possibilidade de fazer-existir-mais. Mas,
o mundo é vasto, tão vasto, que “ao considerar erradamente um só gênero,
nosso pensamento relega ao abandono [e] a nossa vida deserda ricas e vastas
possibilidades existenciais” (p. 15).
Embora na discussão feita pelo filósofo, o termo “gênero” não esteja posto
tal como ele se apresenta nos debates contemporâneos, respaldados por
Piuco, T.; Pinho, R.; Poletti, C. y Famer, C. (2021). Diferentes modos de existencia en posgrado:
prácticas de cuidado entre salud y educación. Cuestiones de Filosofía, 7 (29), 101-119.
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autores como Foucault, e pelos estudos feministas de Preciado, tensionamos
esse conceito, trazendo-o para nossas pesquisas do modo como é pensado
na atualidade. As experiências dissidentes do binário homem/mulher e
hétero/gay precisam, dentro do espaço escolar, serem acolhidas, respeitadas,
protegidas das investidas contrárias à manifestação de suas existências.
Nesse sentido, apostamos na figura do professor como aquele que alarga as
possibilidades de se existir, pois como infere Souriau “(...) basta ser possível
para ser atual, e a possibilidade funda a existência, logo, a possui de maneira
eminente” (p. 9).
Um fechamento (ou proposições possíveis)
Los sujetos neoliberales de la economía no constituyen ningún nosotros capaz
de acción común. La creciente tendencia al egoísmo y a la atomización de la
sociedad hace que se encojan de forma radical los espacios para la acción
común, e impide con ello la formación de un poder contrario, que pudiera
cuestionar realmente el orden capitalista. El socio deja paso al solo. Lo que
caracteriza la actual constitución social no es la multitud, sino más bien la
soledad (non multitudo, sed solitudo). Esa constitución está inmersa en una
decadencia general de lo común y lo comunitario. Desaparece la solidaridad.
La privatización se impone hasta en el alma. La erosión de lo comunitario
hace cada vez menos probable una acción común (Han, 2021, p. 2).
Diante dos apelos ao individual –em detrimento ao coletivo, ao comunitário,
ao solidário e ao comum–, como nos alerta Han acima, em uma sociedade
marcada por uma economia capitalista neoliberal, que prioriza a produção e
o consumo e vira as costas para alternativas não destrutivas dos recursos no
planeta (Dardot e Laval, 2016), precisamos inventar uma nova economia do
cuidado, particularmente nos campos onde atuamos, da educação e da saúde.
Uma economia diferente daquela dicionarizada e propalada por diversos meios
como a “ciência, doutrina ou teoria que estuda os processos de produção,
troca e consumo de bens e serviços capazes de satisfazerem as necessidades
e os desejos humanos” (Michaelis, 2021); mas aquela concebida em uma
conceituação mais ampla e aproximada do seu original grego - oikonoμia:
oiko=casa e neμein=medida, controle –como a arte de bem administrar uma
casa ou como a capacidade de utilização máxima dos meios que dispomos.
Nesse sentido, nossa aposta e proposta para uma economia do cuidado (de si
e dos outros) visa o fortalecimento das práticas coletivas e o reconhecimento
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e a afirmação dos diferentes modos de existência, não para que os sujeitos e
suas práticas sejam dissecados, normalizados e, posteriormente, controlados,
mas para que a aposta seja na multiplicidade como potência de variação,
invenção de outras práticas, de outras escritas científicas, de outras produções
de saberes, em geral marginalizados e/ou invisibilizados, sobretudo no
ambiente acadêmico.
Desejamos, assim, que os processos de subjetivação e dessubjetivação sejam
de tal forma intensivos e incontroláveis que sua condição de sujeição permita
resistir e contraproduzir, permita que em meio aos estratos fixos e enrijecidos
que impõe formas de ser e fazer prévias, sejam acolhidos também –novamente,
não como “falta”, mas como potência– os vacilos, os tremores, as errâncias,
os desvios e todos os movimentos que correm por fora do centro, pulsam
algum tipo de vida que resiste contra ordens mandatárias e de dominação,
enquanto “(…) linhas que não se reduzem ao trajeto de um ponto, e escapam
da estrutura, linhas de fuga, devires, sem futuro nem passado, sem memória,
que resistem à máquina binária, devir-mulher que não é nem homem nem
mulher, devir-animal que não é nem bicho nem homem” (Parnet e Deleuze,
1998, p. 22).
Para salvar o mundo dos discursos messiânicos e salvacionistas que nos
acompanham, tanto na saúde quanto na educação, será preciso fazermos uso
de práticas de cuidado e afirmarmos modos de existência que subvertam a
lógica dos “saberes de si”, que utilizam práticas de cuidado, análises e exames
de si mesmo –intimamente ligados à medicina (e, mais recentemente, a todos
os campos de saberes e práticas da saúde), de forma institucional ou não, e
também a uma certa pedagogia, ou ensino, ou ainda, educação–, ampliando
e diversificando os cuidados do corpo e da “alma” (saúde), como as práticas
de pensar, aprender e ensinar (educação), para podermos encontrar forças
potentes e forças inoperantes na produção de coletivos desindividualizados e
comuns despersonalizados.
Piuco, T.; Pinho, R.; Poletti, C. y Famer, C. (2021). Diferentes modos de existencia en posgrado:
prácticas de cuidado entre salud y educación. Cuestiones de Filosofía, 7 (29), 101-119.
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