https://doi.org/10.19053/01227238.17056
Artículo
de Investigação
Instituição
Educativa no Brasil Império:
História da educação
do Semináriode Mariana, formação
eclesiástica econflito
igreja-Estado
(1844-1875)
Institución Educativa en
el Brasil Imperial: Historia de
la educación del Seminario de Mariana, formación eclesiástica y
conflicto Iglesia-Estado (1844-1875)
Educational
Institution in Imperial Brazil: History of Education at the Seminario de Mariana, ecclesiastical formation and
Church-State conflict (1844-1875)
João
Paulo Rodrigues Pereira[1]*
https://orcid.org/0000-0002-3984-2876
*Faculdade
Dom Luciano Mendes, Brasil
Resumo
Objetivo:
Esta pesquisa visa
apresentar elementos da cultura escolar do Seminário
Nossa Senhora da Boa Morte,
no período de 1844 a 1875, correspondente ao episcopado
de Dom Antônio Ferreira Viçoso, com
o intuito de entender como se articulou
o ensino oferecido por essa instituição religiosa no contexto da educação
do Brasil Imperial.
Originalidade/contribuição:
Analisa a cultura escolar do Seminário de Mariana, considerado uma das primeiras
instituições de ensino da província
de Minas Gerais, no Brasil, que desempenhou papel importante na formação
cultural nos séculos XVIII e XIX.
Método:
Trata-se de uma investigação qualitativa que, a partir de uma
revisão bibliográfica e análise
de fontes primárias, busca penetrar no interior de uma instituição
educacional. A premissa é que a escola é produtora
de uma cultura própria capaz de promover transformações
culturais.
Estratégias/coleta de
dados: Foram utilizados como fontes primárias alguns
regulamentos, documentos normativos, leis e decretos do governo que intervêm na
organização interna dessa instituição, além de algumas cartas de Dom Viçoso que
apresentam informações relevantes sobre a questão educacional envolvendo o
Seminário de Mariana.
Conclusões: 1)
As análises bibliográfica e o estudo das fontes
primárias possibilitam a compreensão de elementos específicos do Seminário de Mariana enquanto uma instituição
educacional com forte característica do contexto religioso,
político e educacional do Brasil Imperial. 2) As transformações na ambiência
escolar dessa instituição apontam para a noção de educação como algo que
extrapola o âmbito puramente conteudista,
já que a valoração da moral aparece como pressuposto da formação humana
religiosa.
Palavras-chave:
História da educação;
instituições escolares; cultura escolar; Seminário de Mariana.
Resumen
Objetivo: Esta
investigación tiene como objetivo presentar elementos de la cultura escolar del
Seminario Nossa Senhora
da
Boa Morte, en
el período de 1844 a 1875, correspondiente al episcopado de Dom Antônio Ferreira Viçoso,
con el propósito de entender cómo se articuló la enseñanza ofrecida por esta
institución religiosa en el contexto de la educación del Brasil Imperial.
Originalidad/Contribución: Se
analiza la cultura escolar del Seminario de Mariana, considerado una de las
primeras instituciones de enseñanza de la provincia de Minas Gerais, Brasil,
que desempeñó un papel importante en la formación cultural en los siglos XVIII
y XIX.
Método: Es
una investigación cualitativa que, a través de una revisión bibliográfica y
análisis de fuentes primarias, busca adentrarse en el interior de una
institución educacional. La premisa es que la escuela es productora de una
cultura propia capaz de promover transformaciones culturales.
Estrategias/Recolección
de datos: Se utilizaron como fuentes primarias algunos
reglamentos, documentos normativos, leyes y decretos del gobierno que
intervienen en la organización interna de esa institución, además de algunas cartas
de Dom Viçoso que presentan información relevante
sobre la cuestión educativa que involucra al Seminario de Mariana.
Conclusiones: 1)
Los análisis bibliográficos y el estudio de las fuentes primarias permiten
comprender elementos específicos del Seminario de Mariana como una institución
educativa con fuertes características del contexto religioso, político y
educacional del Brasil Imperial. 2) Las transformaciones en el entorno escolar
de esta institución apuntan a la noción de educación como algo que va más allá
del ámbito puramente de contenidos, ya que la valoración de la moral aparece
como premisa para la formación humana religiosa.
Palabras
clave: Historia de la educación;
instituciones educativas; cultura escolar; Seminario de Mariana.
Abstract
Objective: This
research aims to present elements of the school culture of the Seminary Nossa
Senhora da Boa Morte, in
the period from 1844 to 1875, corresponding to the episcopate of Dom
Antônio Ferreira Viçoso, with
the purpose of understanding how the teaching offered by this religious
institution was articulated in the context of education in Imperial Brazil.
Originality/Contribution: we
analyze the school culture of the Mariana Seminary, considered one of the first
educational institutions in the province of Minas Gerais, Brazil, which played
an important role in cultural formation in the 18th and 19th centuries.
Method: It
is a qualitative research that, through a
bibliographic review and analysis of primary sources, seeks to delve into an
educational institution. The premise is that the school is a producer of its
own culture capable of promoting cultural transformations.
Strategies/Data
collection: Some regulations, normative documents, laws and government decrees that intervened in the internal
organization of that institution were used as primary sources. In addition to
some letters of Dom Viçoso that
present relevant information on the educational issue involving the Seminario de Mariana.
Conclusions: 1) The
bibliographical analysis and the study of primary sources allow understanding
specific elements of the Seminary of Mariana as an educational institution with
strong characteristics of the religious, political and
educational context of Imperial Brazil. 2) The transformations in the school
environment of this institution point to the notion of education as something
that goes beyond the purely content area, since the valuation of morals appears
as a premise for religious human formation.
Keywords:
History of education;
educational institutions; school culture; Seminario de Mariana.
Recibido:
04/02/2023
Evaluado:
17/06/2023
Aprobado:
19/07/2023
Introdução
Este texto tem
por objetivo
apresentar elementos da cultura escolar do Seminário
Nossa Senhora da Boa Morte no período
de 1844 a 1875, correspondente ao episcopado de Dom Antônio
Ferreira Viçoso, uns dos difusores do ultramontanismo[2]
no Brasil. Considerado uma das primeiras instituições de ensino da província de
Minas Gerais, no Brasil, essa instituição foi fundada em 20 de dezembro de
1750, pelo primeiro bispo da diocese de Marina, Dom Frei Manuel da Cruz[3].
Nos séculos XVIII e XIX, mesmo tendo como finalidade primeira a 108 formação
do sacerdote católico, tal instituição exerceu papel importante na formação
cultura do Brasil Império. Isso porque oferecia o ensino secundário, requisito
fundamental para ingresso nos cursos superiores.
Pretende-se
entender o funcionamento interno desse estabelecimento para pensar como a
cultura escolar foi sendo modificada por Dom Viçoso ao longo de seu episcopado. Nosso
olhar volta-se para a ideia de que a escola é produtora
de uma cultura própria. Perspectiva essa que vem, desde a década de 1990, subsidiando,
através da categoria “cultura escolar”, as pesquisas em história da educação no
Brasil. Para isso, analisaremos o contexto situacional em que o Seminário se
encontrava quando surge a necessidade de se pensar transformações no modelo
educacional dessa instituição. Almejamos perceber quais mudanças foram
promovidas no Seminário para implantar um modelo educacional que pudesse, de
algum modo, promover uma transformação na consciência religiosa e social dos
que ali estudavam. Os Seminários no Brasil, a partir do modelo educacional
implementado por Dom Viçoso, serão fundamentais para a moralização do clero.
Por fim, analisaremos as normas e finalidades, por meio dos regulamentos que
regiam o Seminário. Isso nos permitirá perceber as táticas usadas pelos atores
pedagógicos no processo de implementação de uma cultura educacional.
É
importante destacar que a pesquisa sobre a cultura escolar pode ser trabalhada
de vários modos, com vários fins e sob perspectivas diferentes. Dominique
Julia a
compreende “como um conjunto de normas que
definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e
um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos”[4].
Entendemos
que o caso do Seminário de Mariana, no
período proposto, é bem sugestivo para este tipo de pesquisa. Julgamos isso por
dois motivos: primeiro, por causa do ambiente de crise enfrentado pela própria
instituição no recorte temporal proposto; segundo, por causa do ideal
reformador de Dom Viçoso que tinha a
educação como arma fundamental. Sobretudo, se comparado com os momentos
anteriores da história da instituição, essa atmosfera de crise ligada ao ideal
reformador do bispo irá promover mudanças significativas na estrutura
educacional do Seminário de Mariana.
Sobre
a documentação, além de leis e decretos do governo, utilizaremos regulamentos e
cartas e textos de Dom Viçoso informando
notícias sobre o Seminário. Essa documentação parece não ser a mais apropriada
para as pesquisas sobre cultura escolar. Contudo, se pensarmos, por exemplo, na
definição de Viñao Frago,
que afirma que “a cultura escolar é toda a vida escolar: fatos e ideias, mentes
e corpo, objetos e condutas, modos de pensar, dizer e fazer”[5], podemos,
a partir da documentação apresentada, extrair informações que possibilitam a
compreensão de certos elementos referentes ao interior do Seminário de Mariana.
Apontamentos contextuais
Da
fundação em 1750 até 1844, ano do início do episcopado de
Dom Antônio Ferreira Viçoso, o Seminário de Mariana enfrentou vários problemas
que abalaram seu funcionamento. Nesse sentido, trata-se um período de
instabilidade, pois às vezes funcionava bem, às vezes funcionava mal e às vezes
nem funcionava.
No
período mencionado, pelo menos três grandes problemas, no âmbito educacional[6], afetaram
seu funcionamento, a saber: a carência de professores; questões morais e
dificuldades financeiras. A carência de professores, por exemplo, pode ser
observada em vários. A vinda dos padres jesuítas para o Seminário, em 1749,
durante o episcopado de Dom Frei Manuel da
Cruz; a chegada dos padres franciscanos, em
1821, sob o episcopado de Dom Frei José da
Santíssima Trindade[7], e, finalmente, a
chegada dos lazaristas em 1849, com Dom Viçoso, foram, de algum modo, motivadas
pela necessidade de se ter professores capazes de atender às nuances
políticas, morais e educacionais do Seminário.
O
problema moral foi causado, sobretudo, nos momentos em que a diocese estava em
sede vacante ou sobre a administração de procurados, pois, depois da morte de
dom Frei Manoel da Cruz (1764), primeiro bispo da diocese, até 1772,
a prelaziafica em Sede Vacante,
algo que vai afetar profundamente a estrutura do seminário. Nesse período, a diocese foi
administrada pelo Cabido - uma espécie de conselho. De 1772 até 1780,
procuradores a gerenciaram, porque dom Joaquim Borges de Figueiroa (bispado:
1771 - 1772) e dom Bartolomeu Manuel Mendes dos Reis (bispado: 1772 a 1777) não foram à
diocese. Isso também teve grande impacto no seminário. Por falta de uma
liderança e referência eclesiástica há, nesse momento, um declínio moral na
formação religiosa no seminário. Tal fato só começará a ser resolvido com a
chegada de dom Viçoso a
Mariana no século XIX[8].
É
importante destacar o problema moral, porque uma das características ultramontanas
de Dom Viçoso foi sua preocupação
com a formação
do clero,
por isso,
a educação
dos sacerdotes
recebeu uma atenção particular em seu projeto reformador[9]. O ultramontanismo desse
prelado se opunha a valorização da autonomia das igrejas nacionais; a
autoridade dos reis sobre a igreja e a superioridade dos concílios ecumênicos
sobre o poder papal[10]. Assim,
era contrário a tese do galicanismo, que era uma
“doutrina católica francesa caracterizada por um predomínio do Estado sobre a
Igreja Católica, com marcado sentimento nacional, tendo por isso forte
repercussão política”[11]. Em
oposição ao galicanismo, o ultramontanismo defendia
uma maior autonomia da igreja perante o poder civil e a submissão das igrejas
regionais ao papado.
Além
do problema de carência de professores e do problema moral que se arrastou por
algum tempo no Seminário, tem-se também o problema financeiro. Depois de 1793,
“após a morte de dom Frei Domingos da Encarnação Pontével
(bispado: 1778 - 1793), quarto bispo de Mariana,
a diocese fica novamente sobre administração do Cabido
até 1798, com a chegada dom frei Cipriano de
São José (bispado:1797-1817)”[12]. Nesse
período, devido à má administração do Cabido, o Seminário passou dificuldades
para quitar os salários dos professores.
Esses
três problemas receberão especial atenção de Dom
Viçoso na condução do funcionamento do Seminário de Mariana. Na
verdade, o bom funcionamento dessa instituição dependerá da solução desses
problemas. Ou seja, o Seminário, no período de Dom Viçoso, terá que fornecer respostas a essas questões. Primeiro, em relação
aos atores pedagógicos; segundo, em relação ao problema moral, que,
na perspectiva ultramontana desse bispo, é central, e
terceiro, a questão financeira que impediria o funcionamento da instituição,
sendo assim uma condição fundamental para sua existência.
Além
desse contexto problemático da própria história do Seminário, é na conjuntura
do ensino secundário do Brasil Império que se deve pensar o papel dessas
instituições. No que diz respeito ao ensino preparatório para as academias no
período imperial, é impossível ignorar o papel desses estabelecimentos. Segundo
Haidar, nos tempos das colônias,
eles foram considerados “importantes focos de irradiação da cultura”[13]. Tais
instituições, segundo Primitivo Moacyr, “gozava[m] no Império de uma quase
completa autonomia. Aos prelados diocesanos cabia a organização didática e
administrativa dos Seminários”[14]. No
entanto, por causa da escassez de rendimento das Mitras do Brasil, os auxílios
financeiros vindos do governo eram fundamentais para a manutenção dos
Seminários. Em troca, eles deveriam oferecer educação gratuita a certos números
de meninos pobres e permitir certa ingerência do governo na vida interna da
instituição[15].
A partir de 1851,
foram numerosos os decretos do governo central relativos aos Seminários
Episcopais. Isso, segundo Haidar, por
causa do “estado de decadência e de abandono em que jaziam” essas instituições[16]. O
próprio Seminário de Mariana, em
sua história que antecede ao episcopado de
Dom Viçoso, é exemplo desse estado. Já no período de Dom Viçoso, será
recorrente a entrada de dinheiro público para reforma e manutenção dessa
instituição de ensino.
Durante todo o
período imperial brasileiro, o ensino secundário manteve o predomínio do
currículo humanista, conforme destacado por Souza,
que investigou a renovação do currículo do ensino
secundário no Brasil. Esse currículo era “caracterizado pela primazia do ensino
das línguas clássicas (Latim e Grego) e das línguas modernas - Português,
Francês, Inglês, Alemão, Italiano - e, outras disciplinas de humanidades como
Filosofia, História e Geografia”[17]. Com
debates em torno da ampliação dos estudos científicos, motivados pelas
necessidades da sociedade moderna, que se intensificaram a partir da década de
1920, foi somente na República que a realidade do ensino secundário foi
alterada. Desse modo, o 112 modelo desse segmento de ensino, que vigorou no
Brasil Imperial, é caracterizado por um currículo humanista. O mesmo encontrado
nas casas de formação do clero no Brasil, os
Seminários.
Elementos da Cultura Escolar do Seminário de
Nossa Senhora da Boa morte
Durante
31 anos Antônio Ferreira Viçoso foi bispo da diocese de Mariana (1844-1875).
Por causa da condição imoral do clero em Minas Gerais e no Brasil, a esperança
desse bipo por um futuro melhor estava “na criação dos candidatos ao clero”. Em
um ofício de 9 de 0 janeiro
de 1850, o prelado afirmava: “E só me nutro
da esperança de um melhor futuro na criação dos candidatos ao clero”[18]. Sete
meses após sua chegada a Mariana, o Seminário foi
reaberto, e as aulas recomeçaram. Aqui é importante salientar que, no período
da chegada de Dom Viçoso a Mariana, o
Seminário estava fechado e prédio dessa instituição, bastante danificado.O período em que Dom
José da Santíssima Trindade, último bispo de Mariana antes
de Dom Viçoso, exerceu seu episcopado, juntamente com
o período de
Sede Vacante (18351844), resultou
em sérios problemas físicos para o Seminário.
Esses problemas foram agravados especialmente
durante o ano de 1842, quando o Seminário
foi utilizado como quartel para as
tropas do governo devido à revolução liberal[19]. Segundo
Andrade,
com a Revolução Liberal de 1842, Minas Gerais foi sacudida
pela mobilização militar rebelde e, como desdobramento das derrotas, o ensino
chegou a ser afetado. Muitos professores e lentes foram demitidos ou sofreram
suspensão com prejuízos para a vida e o funcionamento de alguns colégios. O do Caraçafechou as portas em 24 de agosto de 1842; o seminário
de Mariana foi transformado em quartel dias depois e o de Nossa
Senhora da Assunção, Ouro Preto, fechou-se me dezembro do mesmo ano”[20].
Sobre
a condição do prédio do Seminário após a saída das tropas do governo, Pimenta,
ex-aluno e ex-professor da instituição no período em questão, afirmou: “é
provável que [o governo] pagasse a hospedagem com bons estragos na casa”[21].
Nos
primeiros meses após sua chegada a Mariana, Dom
Viçoso começou a restauração do prédio do Seminário. Ele modificou a estrutura
física interna, substituindo os cubículos por grandes dormitórios coletivos,
“aos quais prestavam melhor a vigilância”[22]. Essa alteração resultou em
um considerável aumento na capacidade de alojamento do edifício. Para ajudar na
ilustração dessa instituição, apresentamos na FIG. 1 a pintura de 1853
produzida por Herman Burmeister,
que retrata a frente do Seminário e uma das laterais.
Fonte: BBM
(2023). Disponível em https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/3415>
Figura 1 -
Pintura do Seminário, obra de Herman Burmeister,
1853
Tais
reformas
nos remetem a noção de espaço escolar de Viñao
Frago. O espaço escolar, entendido como uma forma
silenciosa de ensino que não é neutra, mas simbólica e com vestígio das
características dos habitantes locais, fornece-nos uma chave de leitura do
espaço físico educativo do Seminário. As reformas e as mudanças promovidas pelo
bispo vão, de algum modo, alterar o habitus daquela
instituição. Segundo Viñao Frago,
“qualquer mudança na sua disposição, como lugar ou território, modifica a sua
natureza cultural e educativa”[23]. Assim, o
espaço escolar, por mais que seja silencioso, educa. Deste modo, as mudanças
nos espaços internos do prédio, com a finalidade de vigilância, fazem-nos
acreditar que vigorava uma noção de educação com Dom Viçoso que utilizava os
elementos do ambiente educativo como tática para a implementação de uma cultura
escolar pautada no rigor moral.
Além
da alteração no prédio, mudanças de ordem acadêmica foram promovidas com a
finalidade moral. Como a instituição recebia estudantes que não almejavam a
vida religiosa[24] (chamados
de colegiais), o prelado, “movido ainda pelo aumento considerável de alunos
logo nos primeiros anos do bispado, separou os alunos do curso teológico -
também conhecido como seminário maior, sendo exclusivo para os candidatos ao
sacerdócio - dos estudantes de humanidades - ou seminário menor”[25]. Para
esse fim, fez as repartições necessárias nos prédios[26].
Outro
fator, que reforça a tese do rigor moral, está relacionado aos regulamentos (ou
estatuto)[27]. Em 1845,
Dom Viçoso apresentou um novo regulamento para o Seminário, que, ao contrário
dos outros documentos da própria instituição, era mais direto e conciso, e dava
ênfase a ordem, a disciplina e o silêncio como elementos básicos da educação do
Seminário. Essas noções são evidenciadas logo no primeiro artigo, que descreve
o Seminário como instituição destinada a instruir os jovens na virtude e na
ciência, “dispondo-se assim cristãmente para uma nova vida”[28], pautada pela ordem, pela
disciplina e pelo silêncio.
Ao
final do regulamento escrito em 1845, há uma seção intitulada Ordem nos dias de aula, a qual descreve
detalhadamente os horários das atividades diárias, incluindo o horário das
aulas, como se lê abaixo:
5 ½ levantar. 5 ¾ Atos da manhã em salões,
ajoelhando no meio um atrás dos outros. 6 Estudo com silêncio rigoroso. 7
Missa, e depois almoço. 8 Estudo em silêncio rigoroso. 9 ½ aula por duas horas.
11 ¾ jantar e recreação. 3 ½ aula por duas horas. 5 ½ cantochão para os
Eclesiásticos e recreação para os mais. 6 Terço e lição espiritual por meia
hora. 6 e ½ estudo em silêncio zigoroso. 7
ceia e recreação até 8 e meia. 8 ½ exame e recolher-se. É permitido até as 10 o
estudo, e então se devem apagar as luzes particulares[29].
A
categoria de tempo escolar de Viñao Frago
(1995), entendida como estrutura não neutra nem formal, que refle certos
pressupostos psicopedagógicos, valores e formas de gestão, permite-nos pensar a
“modalidade temporal micro” da instituição. Esta se refere à organização das
unidades estabelecidas pela escola, como o ano letivo, semestre, trimestre,
meses, semanas dias, manhã e tarde. Em outras palavras, abrange os horários
reservados para as atividades educativas que, no caso do Seminário, não se
restringiam somente ao aparato acadêmico que organizava a vida intelectual.
O
horário de estudo era distribuído entre atividades acadêmicas, recreação,
orações, refeições e descanso. A dimensão acadêmica ocupava a maior parte do
tempo, perdendo apenas para o período de descanso. Era destinado um período
significativo, de sete a oito horas diárias, para os estudos: quatro horas de
aulas, somadas a três horas de estudos pessoais, ou até quatro, considerando
uma hora após o exame noturno. Essa alocação revela uma atenção intensa à
formação acadêmica dos estudantes. A organização do dia, indo além da dimensão
acadêmica - embora central -, permite-nos compreender o Seminário como uma
escola que se articula internamente, mesmo que de maneira moralizante,
para que todas as atividades fossem educativas.
Essas
prescrições permaneceram até 1856, quando uma nova rotina, imposta por uma nova
ordem para os dias de aula, entrou em vigor. Tal ordem foi escrita pelos padres
Lazaristas. Tanto Dom Viçoso quanto Dom Frei Manoel da Cruz perceberam a
necessidade de confiar a direção do Seminário a uma congregação religiosa
especialista em educação. Isso foi realizado ao transferir as responsabilidades
educacionais para os padres lazaristas, em um processo que ocorreu em três
fases distintas.
A
primeira fase ocorreu de 1849 a 1852, quando os primeiros padres lazaristas
chegaram da França, “após o reatamento das relações entre a província
brasileira da Congregação da Missão e a Casa-Mãe de
Paris”[30]. Na
segunda fase, de 1854 a 1855, parte do Seminário, correspondente ao curso de
teologia, foi transferido para o Colégio do Caraça devido a uma epidemia de
varíola que assolou Mariana, ficando
sob a inteira responsabilidade dos lazaristas que ali residiam. Nesse período,
o curso de humanidades foi realocado para a fazenda do Seminário em Paulo
Moreira (atualmente Alvinópolis). A terceira fase correspondeu à entrega
definitiva do Seminário aos lazaristas[31], que “foi efetuada em 1859,
por meio de um contrato solene firmado por Dom Viçoso e a Congregação da
Missão”[32]
No
regulamento de 1856 não há grandes mudanças em relação aos horários das
atividades diárias, contudo, ele apresenta algumas informações sobre o ano
acadêmico, como as férias, o período letivo e os recessos. O artigo 8° do
regulamento traz informações sobre o período de férias, conforme se lê: “As
férias continuam a ter lugar no tempo da seca, isto é, em julho, agosto e
setembro; ninguém, portanto pode ir a elas antes do dia 30 de junho, nem será
mais admitido o estudante que delas voltar depois de 1° de outubro”. Temos
também algumas informações sobre os exames, como é o caso do artigo 7° que diz:
“terão dois exames: um na metade e outro no fim do ano, pelos quais julgar-se-á a
capacidade dos estudantes para serem premiados e habilitados para passar as
aulas superiores”[33].
Além
disso, o artigo 3° desse regulamento fala da duração do curso de humanidades,
que deveria ser cursado em cinco anos, e da estrutura do curso, como se lê:
Todos esses estudos se acham divididos em cinco anos, isto
é, três de latim, um de matemática, outro de filosofia, porém, nos primeiros
anos de latim estudar-se-á juntamente gramatica portuguesa, ao último poder-se acrescentar o Francês; com
as matemáticas se estudarão geografia e com a filosofia, retórica. A lição de
catecismo, e de história sagrada terá lugar uma nos domingos e outra nas
quintas feiras.
Ainda
sobre a dimensão acadêmica, outro ponto possível de ser tratado diz respeito às
disciplinas existentes nos cursos do Seminário. Elas, conforme a perspectiva de
Chervel (1990), colocam em evidência o caráter eminentemente
criativo do sistema escolar, por isso, seu estudo
contribuirá para entendermos um contexto específico da cultura escolar.
Devido
ao sistema de Padroado, algumas cadeiras dos
cursos do Seminário eram públicas e tinham seu estipêndio estipulados
por lei. As cadeiras de latinidade, Francês, Inglês,
História, Geografia, Aritmética, Geometria, Trigonométrica
e Álgebra são inseridas no Seminário pela lei mineira n°
445, de 20 de outubro de 1849. Pela lei n° 500, de 4 julho de 1850, foram
anexadas as cadeiras de Direito Eclesiástico e Teologia.
O decreto imperial Decreto n. 3.073, de
22 de abril de 1863 que uniformiza os estudos das cadeiras dos Seminários
Episcopais, que são subsidiadas pelo Estado, apresenta algumas disciplinas que
recebiam verbas do governo. O Artigo 1° diz o seguinte: “Nos Seminários m
Episcopais haverá as seguintes cadeiras subsidiadas pelo governo. Latim, Francês. Retorica e
Eloquência sagrada, Filosofia racional e moral, História Sagrada e
eclesiástica, Teologia dogmática. Teologia moral, Instituições canônicas,
Liturgia e Canto Gregoriano”.
Esse
mesmo decreto imperial cria um grande problema para o Seminário, porque o
artigo 2° impõe que os professores das disciplinas que recebiam estipêndio do
governo deveriam ser nomeados pelo
bispo mediante concurso. Porém, neste período, os padres lazaristas já estavam
dando aulas no Seminário. Se as disciplinas fossem colocas para concurso, eles teriam que
deixar as cadeiras com estipendio do governo para os
aprovados. Por isso, em 3 de abril de 1864, Dom Viçoso escreve para o Ministro
do Império, José Bonifácio de Andrade e Silva, pedindo para que essa lei não
fosse aplicada ao Seminário. Conforme suas palavras:
O Seminário deste Bispado de Mariana está entregue à
direção dos Pes. Lazaristas, por uma recomendação que
Sua Majestade se dignoufazer ao seu Encarregado de
Negócios em Paris, pedindo ao Superior Geral destes Congregados que mandasse
Diretores para o Seminário de Mariana. Isto digo para obter do mesmo Senhor a graça de não
sujeitar estes Mestres e Diretores às disposições do Decreto n. 3.073, de 22 de
abril de 1863. A não ser assimficarei privado do
maior bem deste Bispado, que é a reforma do meu Clero, entregue por vontade de
Sua Majestade a Mestres e Diretores da França e da Itália, pela sua experiência
e conhecimentos. Fiado em que obterei esta graça, continuo a propor os Mestres
como até agora o tenho feito e em lugar do Pe. Carlos Vitorino que seu Prelado
mandará para outro estabelecimento, proponho para Mestre de retórica e
Geografia ao pe. Francisco Xavier de Oliveira, pedindo a Sua Majestade a graça
de sua Aprovação. Deus guarde a V Exa, Sr
José Bonifácio de Andrade e Silva[34].
Não
sabemos como se deu a resposta do Ministro, contudo, tudo indica que Dom Viçoso
nunca teve problemas com essa questão do concurso de professores. Trindade
(1940) informa-nos que Dom Antônio Maria Correia Sá e Benevides, bispo que
sucedeu Dom Viçoso, recebeu uma circular do Ministro do Império, datada de 23
de novembro de 1877, exigindo que as cadeiras do Seminário de Mariana que
recebiam financiamento do Governo fossem apresentadas para concurso em um prazo
de seis meses. Em 9 de dezembro de 1877, Dom Benevides escreveu ao Ministro e
Secretário dos Negócios do Império, Antônio da Costa Pinto e Silva,
questionando essa circular. No início dessa carta, o prelado mencionou, como
uma espécie de estratégia argumentativa, que o Governo imperial permitiu que as
cadeiras do Seminário não fossem oferecidas para concurso no período de Dom
Viçoso[35].
Com
o estudo das disciplinas, é possível perceber que as grades curriculares do
Seminário se tornaram mais complexas à medida que essa instituição se
estabilizou financeira, acadêmica e moralmente.Parte
superior do formulário Segundo Camello (1986),
o livro Lotação das freguesias do Bispado de Mariana, de
1864, no qual aparece a seguinte anotação de dom Viçoso: “Mandei ao
Presidente”, apresenta um quadro mais completo da grade curricular do
Seminário. Esta era composta das seguintes disciplinas: Língua Nacional, Língua
Latina, Língua Inglesa, Língua Francesa, Geografia, Retorica, Aritmética,
Álgebra, Geometria, Filosofia Racional e Moral, Teologia Moral, Teologia
Dogmática, Instituições Canônicas, História Sagrada e Eclesiástica, Escritura
Sagrada, Liturgia, Música e Canto Gregoriano[36].
Uma
última observação sobre o Seminário se refere a dificuldade financeira da
instituição. Tal problema faz com que Dom Viçoso procure outros recursos além
daqueles adquiridos com as matrículas dos alunos para manter o Seminário, como
é o caso das verbas recebidas do governo. Pimenta, em A vida de D. Antônio Ferreira Viçoso: Bispo de Mariana e Conde
da Conceição, apresenta um trecho de uma carta que o
Bispo enviou ao Ministro da Justiça dando informações sobre o Seminário e
pedindo ajuda financeira. Na correspondência é possível saber também
informações sobre a rigidez moral implantada na instituição, como se pode ler:
Este seminário bem provido, como está, de mestres e de
edifício, sofre uma falta, preenchida a qual, não terá inveja a algum outro.
Cada um dos 6 dormitórios tem um inspetor, que dia e noite
vigia sobre sua porção. Ora, da boa escolha deste empregado depende o
bom regimen de todo o seminário.
Atualmente emprega-se nesta inspeção moços dos que parecem
do melhor procedimento, por não haver com que se pague a outros, que nisto se
empreguem. Muitasvezes estes são coniventes com seus
companheiros, disfarçam suas infrações, por se não malquistar; e insensivelmente
perde-se aquele salão, sem que o Reitor venho no
conhecimento dos hipócritas, senão quando está tudo podre e infeccionado. Se o Governo quer ter um
Seminário normal, mande dar 3 contos anuais ao nosso para pagar aos
Professores, e aos inspetores de que falo; então florescerá material e formalmente[37].
As
fontes de renda da instituição eram diversas. Além das mensalidades dos
estudantes e das verbas do governo destinadas ao pagamento de alguns
professores e alunos carentes, o Seminário também recebia recursos provenientes
da produção de uma fazenda. Adicionalmente, recebia renda do aluguel de algumas
propriedades na cidade de Mariana que pertenciam ao
Seminário, além dos juros de apólices públicas e das vendas de objetos da
instituição.
Considerações finais
As
mudanças nos espaços e no tempo escolar promovidas por Dom Viçoso apontam para
a noção de educação como algo que extrapola o âmbito puramente conteudista.
Aqui está em jogo a valoração da moral como pressuposto da formação humana
religiosa. Isso nos permite concluir que tais mudanças contribuíram para a
implementação de uma cultura educacional diferente no Seminário de Mariana, se
comparada à que vigorava nos anos anteriores ao episcopado de Dom Viçoso.
Assim, a cultura escolar, entendida como um conjunto de normas e práticas, deve
considerar a finalidade dessas normas e das práticas, as quais variam conforme
a época. No caso específico do Seminário de Mariana, o
contexto é extremamente instigante, pois
as mudanças implementadas nos permitem perceber de forma clara as finalidades
das normas e práticas estabelecidas. A rigidez, a vigilância e a disciplina
impostas por um ideal reformador de um bispo ultramontano
nos fazem perceber que uma cultura escolar foi
implementada com o intuito de alterar o habitus dessa
instituição.
Sem
financiamento
O
autor declara não haver conflito de interesses.
O
autor declara que este artigo não tem implicações éticas na sua redação ou
publicação.
Fontes
Carta ao ministro da
Justiça [S/D], In: Pimenta, Padre Silvério Gomes, Vida de Dom Antônio
Ferreira Viçoso, Bispo de Mariana, Conde da Conceição.
4. ed. Editora Dom Viçoso: Mariana, 2020,
193-194).
Decreto n° 3.073, de
22 de abril de 1863, Coleção das Leis do Império
do Brasil, Rio de Janeiro: Impressa Nacional, 1863, Tomo XXVI,
Part. II, 103. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-le-gislativa/legislacao/colecao-anual-de-leis/copy_of_colecao6.html
Minas Gerais. Lei n° 445, de 20 de
outubro de 1849. Arquivo Público Mineiro,
LM-0490. T. 15,
Part. 1. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras/brtacervo.php?cid=1054
Minas
Gerais. Lei n° 500, de 4 de
julho de 1850. Arquivo Público Mineiro, LM-0545.
T. 16, Part. 1. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras/brtacervo.php?cid=1151
Regulamento do
Seminário Episcopal de Mariana entregue
aos padres da Congregação da Missão pelo atual bispo Dom Antônio Ferreira
Viçoso, 1865. Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana,
Armário. 2°, Gaveta. 2, No. 30.
Regulamento do
Seminário Episcopal de Mariana, dado
em Janeiro de 1845. In:
Pimenta, Padre Silvério Gomes. Vida de Dom Antônio
Ferreira Viçoso, Bispo de Mariana,
Conde da Conceição. 4. ed. Editora Dom Viçoso: Mariana,
2020, 178-182.
Regulamento do
Seminário Episcopal de Mariana entregue
aos padres da Congregação da Missão pelo atual bispo Dom Antônio Ferreira
Viçoso, 1856. In:
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de Dom Silveiro Gomes Pimenta: 1B Arcebispo de Mariana. Ponte
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Dom Antônio Ferreira. [Correspondência].
Destinatário: Ministro do Império, José Bonifácio de Andrade e Silva. Mariana,
aos 3 de abril de 1864. In:
Camello, Maurílio
(Org.). Dom
Antônio Ferreira Viçoso: Correspondência (1823-1875),
275-276, No. 409. Arquivo
Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, Armário
XI.
Viçoso,
Dom
Antônio
Ferreira. [Correspondência]. Destinatário:
Ministro da Justiça do Império. Mariana, 9 de
janeiro de 1850. In:
Camello, Maurílio
(Org.). Dom
Antônio Ferreira Viçoso: Correspondência (1823-1875),
p. 64, n° 074. Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, Armário
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Cómo
citar este artículo: Rodrigues Pereira, João
Paulo “Instituição Educativa no Brasil Império: História da educação do
Seminário de Mariana, formação eclesiástica e conflito igreja-Estado (1844- 1875)” Revista Historia de la Educación Latinoamericana vol.25 no.41 (2023).
[1] Possui um doutorado em educação pela
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), localizada no Brasil, e atua como
docente de Filosofia na Faculdade Dom Luciano Mendes
(FDLM). É membro do Grupo de História e Historiografia da Educação da UFOP -
GERAES. joaopaulo31prp@gmail.com.
[2] O termo ultramontanismo foi usado na idade
media "quando se elegia um Papa não-italiano (além dos montes).
O nome tomou outro sentido a partir do século XIV, quando foram postulados, na
França, os valores do galicanismo, que defendia o princípio da autonomia da
Igreja francesa com relação ao papado. [...]. O nome ultramontano
foi utilizado então pelos franceses, denominados galicanos e
que pretendiam manter uma Igreja separada do poder papal. Eles aplicavam o
termo ultramontano aos partidários das doutrinas romanas
que acreditavam ter de renunciar aos privilégios da Gália em
favor do chefe da Igreja (o Papa), que residia neste caso, além dos montes.
Nas primeiras décadas do século XIX, devido a frequentes conflitos entre a
Igreja e o Estado em toda a Europa e América Latina, foram chamados de
ultramontanos os partidários da liberdade da Igreja e de
sua independência com relação ao Estado. O termo ultramontanismo aparecia como
uma reação ao mundo moderno e como uma orientação política desenvolvida pela
Igreja, marcada pelo centralismo romano,
o fechamento sobre si mesma e a recusa do contato com as novas ideias"
(Lage, 2011, p 35-36).
[3] Dom Frei Manuel da Cruz "nasceu no norte
de Portugal, aos 5 de fevereiro de 1690, aos dezoito anos tornou-se monge
cisterciense e graduou-se em teologia e cânones na Universidade Coimbra. Além
disso, em 1732, foi eleito abade do Colégio do Espírito Santo de Coimbra e, em
1738, definido e mestre de noviços no convento de Alcobaça. Nesse mesmo ano,
Dom João V o nomeou bispo do Maranhão [...]. Em 29 de setembro de 1739, dom
Frei Manuel da Cruz tomou posse solene da catedral de São Luís e a administrou
até 1747, quando, então iniciou sua viagem para as Minas Gerais, a fim de
assumir o novo bispado. [...] Antes mesmo de chegar a Minas, dom Frei Manuel
tomou as primeiras providências para organizar a diocese de Mariana: nomeou
o reverendo doutor Lourenço José de Queirós Coimbra, seu procurador na
capitania, e deu-lhe instruções, por meio de carta, para desencadear o processo
de organização do bispado. [...] Depois de um ano, dois meses e doze dias de
viagem pelo árduo território que separava São Luís de
Mariana, dom Frei Manuel da Cruz, quase sexagenário,
chegou, em 15 de outubro de 1748, à sede do novo bispado" (Oliveira, 2001,
p. 49-59).
[4] Julia, 2001,
9.
[5] Viñao Frago, 1995, 68-69.
[6] Outros problemas que afetaram o funcionamento dessa instituição
podem ser identificados, como, as concepções ideológicas do bispo, que geraram
questões políticas para a diocese e afetaram profundamente o
Seminário. Não iremos abordá-los aqui para não desviar o foco central do texto,
mas recomendamos a leitura do quarto capítulo da tese intitulada Elementos
da cultura escolar de uma instituição educacional mineira: o Seminário Nossa
Senhora da Boa Morte (1844-1875), de autoria de João Paulo
Rodrigues Pereira, defendida na Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, Minas
Gerais, Brasil, em 2023, sob orientação do Dr. José Rubens Lima Jardilino
e da coorientadora Dra. Diana Elvira Soto Arango.
[7] Dom frei José da Santíssima Trindade "nasceu na cidade do
Porto [...] 'aos quatro dias do mês de julho de mil setecentos sessenta e dois'
[...]. Cursou os primeiros anos das letras secundárias no seminário episcopal
do Porto. [...] Com dezesseis anos, vem para o Convento de Santo Antônio, na
Bahia, onde continua e conclui as letras secundárias. [...] Em 3 de fevereiro
de 1779, com dezessete anos incompletos, Frei José recebe o hábito da
penitência e, aos 6 de fevereiro do ano seguinte, professou no Convento de
Santo Antônio de Paraguaçu. Cursou três anos de Filosofia e três de Teologia no
Convento de Salvador (embora não saibamos as datas das ordenações). Em 1787 é
nomeado pregador e em 1790 recebe jurisdição para confessar homens [...]. Em
1796, aos trinta e quatro anos, recebe jurisdição de confessor geral. Em 1801,
seguindo a disciplina dos franciscanos, Frei José inicia a fase de sua
peregrinação, ocupando, inicialmente, o cargo de companheiro do comissário dos
Terceiros Franciscanos em Salvador [...] Em 1817 [...] Frei José é nomeado
vigário provincial, cabendo-lhe o governo de toda a Província até o Capítulo de
dezembro de 1817 [...]. No dia 13 de maio de 1818, Dom João VI propõe à Santa
Sé seu nome para bispo de Mariana. [...] Com cinquenta e seis anos de idade, Frei José
podia apresentar um currículo praticamente impecável, tendo galgado todos os
postos importantes da ordem franciscana, sendo, então, o responsável por toda a
Província como vigário geral. [...] Foi sagrado na Capela Real do Rio de Janeiro,
no dia 9 abril de 1820. [...] No mesmo ano, em 25 de março, dia da Anunciação
de Nossa Senhora, toma posse por seu procurador, o arcediago doutor
Marcos Antônio Monteiro de Barros, vigário capitular. Aos 8 de
agosto, entra em Mariana acompanhado por dois confrades franciscanos, Frei
Antônio da Conceição e Frei Manuel do Espírito Santo, que ficarão com ele até
1831. As solenidades de posse são marcadas por 'uma larga distribuição de
esmolas aos pobres da cidade episcopal'. [...] Dom Frei José da Santíssima
Trindade, o sexto bispo nomeado, ficou à frente da diocese de 1820, ano de sua
chegada, até 1835, quando morre. A rigor, é o quarto bispo que efetivamente
esteve à frente da diocese desde sua fundação" (Oliveira, 1998, p. 21-25).
[8] Jose Ruben Lima Jardilino e João Paulo
Rodrigues Pereira, 2021,7.
[9] Segundo Santirocchi, Dom Viçoso e Dom Antônio Joaquim de Mello foram
fundamentais no processo de desenvolvimento do ultramontanismo no Brasil no
Segundo Reinado. Os outros bispos ultramontanos que foram
surgindo "seguiram de forma geral o modelo que eles implantaram, ainda que
com as devidas adaptações às respectivas dioceses e personalidades. Esse modelo
pode ser resumido em alguns pontos principais: 1.° Resgate da autoridade
pontifícia e episcopal; 2. Defesa da autonomia da Igreja em relação ao Estado e
combate ao regalismo; 3.° Reforma do clero por meio: a) do combate ao
concubinato clerical; b) da educação em seminários sob a direção de ordens
religiosas reformadas; b) da maior rigidez nas ordenações sacerdotais; c) do
envio de sacerdotes e seminaristas para se formarem na Europa; d) da
uniformização do ministério episcopal e clerical; e) da correção e moralização
do clero; f) do combate ou desincentivo à participação dos párocos na
política partidária, cargos eletivos ou administrativos civis; 4.° Grande
escrúpulo e rigidez na escolha dos beneficiários a serem indicados para
nomeação imperial; 5.° Instituição de ordens religiosas reformadas, masculinas
e femininas; 5.° Reformar e educar os fiéis por meio: a) da reforma do clero;
b) do fortalecimento hierárquico; c) da limitação da participação dos laicos na
administração da Igreja; d) da popularização da catequese tridentina; e) do
incentivo à participação nos sacramentos; f) da intervenção administrativa nos
centros de romaria e irmandades tradicionais; g) da importação de devoções e
movimentos religiosos da Europa" (Santirocchi, 2014, 13). Todos esses
elementos podem ser encontrados na reforma implantada por dom Viçoso na diocese
de Mariana, tendo o Seminário Nossa Senhora da Boa Morte como uma
das principais armas. Isso faz do Seminário de Mariana um
elemento fundamental para a compreensão do ultramontanismo desenvolvido no
Brasil no século XIX.
[10] Camello, 1986, 355.
[11] Santirocchi,
2015a, 68.
[12] Jardilino; Pereira, 2021,7.
[13] Haidar, 2008, 88.
[14] Moarcyr, 1938, 438
[15] Haidar, 2008, 90
[16] ibid. 2008,
90.
[17] Souza, 2009, 74.
[18] Viçoso, Dom
Antônio Ferreira. [Correspondência]. Destinatário:
Ministro da Justiça do Império. Mariana, 9 de janeiro
de 1850. In: Camello, Maurílio (Org.). Dom
Antônio Ferreira Viçoso: Correspondência (1823-1875), 64, No.
074. (Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, Armário
XI).
[19] Pereira, 2018, 70.
[20] Andrade, 2000, 74.
[21] Pimenta, 1920, 103.
[22] Ibid. 1920,
103.
[23] Viñao Frago, 1995, 69.
[24] Carrato (1968, 106) apresenta o Seminário de Mariana como
a primeira instituição de ensino "Público" de Minas Gerais. Isso
evidencia que o Seminário, desde sua fundação, admitia alunos que não tinham
como objetivo se tornar sacerdotes, eram conhecidos como alunos externos. Essa
prática representava uma maneira para os Bispos arrecadarem recursos para a
manutenção dos Seminários, uma vez que esses alunos pagavam pelos estudos.
27 Definimos "os regulamentos (ou estatutos) como
os documentos determinantes das normas de conduta e da organização temporal da
vida interna dos estudantes de uma instituição educacional de cunho religioso.
Eles são um código de conduta que orientam a vida interna dos estudantes,
articulando disciplina, oração e estudos como elementos fundamentais para a
formação humana" (Pereira, 2023, 192).
[28] Pimenta, 1920, 107-108.
[29] Regulamento do Seminário Episcopal de Mariana, dado
em Janeiro de 1845. In: Pimenta, Padre Silvério Gomes. Vida
de Dom Antônio Ferreira Viçoso, Bispo de Mariana, Conde da
Conceição. 4. ed. Editora Dom Viçoso: Mariana, 2020,
178-182.
[30] Camello, 1986, 343.
[31] Ibid., 1986,
343.
[32] Trindade, 1951,52.
[33] Regulamento do Seminário Episcopal de Mariana entregue
aos padres da Congregação da Missão pelo atual bispo Dom Antônio Ferreira
Viçoso, 1856. In: Trindade, Raimundo. Biografia
de Dom Silveiro Gomes Pimenta: 1a Arcebispo de Mariana. Ponte Nova: Est.
Graphico Gutenberg, 1940.
[34] Viçoso, Dom
Antônio Ferreira. [Correspondência]. Destinatário:
Ministro do Império, José Bonifácio de Andrade e Silva. Mariana, aos
3 de abril de 1864. In: Camello, Maurílio
(Org.). Dom Antônio Ferreira Viçoso: Correspondência (1823-1875),
275-276, n.0 409. (Arquivo
Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, Armário
XI).
[35] Trindade, 1940, 100-101.
[36] Camello, 1986, 345-348.
[37] Carta ao ministro da Justiça [S/D]. In:
Pimenta, Padre Silvério Gomes. Vida de Dom Antônio Ferreira
Viçoso, Bispo de Mariana,
Conde da Conceição.
4. ed. Editora Dom Viçoso: Mariana, 2020,
193-194.