ISSN 2216-0159 e-ISSN 2462-8603

2021, 12(28), e11075

https://doi.org/10.19053/22160159.v12.n28.2021.11075

“Se acabar o rio, a comunidade acaba”: dimensão pedagógica do racismo ambiental

André Carneiro Melo 1 , Marco Antonio Leandro Barzano

Universidade Estadual de Feira de Santana- Bahia, Brasil

1acmelo1980@gmail.com

Resumo

Neste artigo pretende-se analisar as práticas educativas que emergem das situações de conflito nas quais valoriza-se a ancestralidade e o direito ao território quilombola. A partir das narrativas dos moradores da comunidade de Barreiros de Itaguaçu frente às condições de cerceamento ao seu território tradicional, nasceu o desejo de contribuir — por meio da produção de conhecimento sobre o racismo ambiental vivenciado pela comunidade — na esperança de aumentar sua visibilidade num espaço onde os diversos eixos da colonialidade não permitem. A convivência na comunidade mostrou que os moradores criam estratégias de resistência para combater o processo de ocupação de seus territórios. Essa ideia de resistência que descrevemos não se limita exclusivamente à defesa do território, mas também diz respeito a defesa das formas de sobrevivência e do modo de vida comunitária que evidenciam a identidade quilombola. Esse contexto de resistência da comunidade considera-se um universo de tensões e múltiplas problemáticas originadas no sistema mundo-colonial, assentado nas diferentes faces da colonialidade, de onde emergem os saberes produzidos na comunidade quilombola que questionam outros modos de apropriação da natureza.

Palavras-chaves: educação quilombola, decolonialidade, relações étnico-raciais, racismo ambiental

“Si se acaba el río, la comunidad se acaba”: dimensión pedagógica del racismo ambiental

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar las prácticas educativas que emergen de las situaciones de conflicto en las que se da valor a la ancestralidad y al derecho al territorio quilombola. A partir de las narrativas de los habitantes de la comunidad de Barreiros de Itaguaçu frente a las situaciones que reducen su territorio tradicional, nació el deseo de contribuir —a través de la producción de conocimiento sobre el racismo ambiental experimentado por la comunidad— con la esperanza de aumentar su visibilidad en un espacio donde los diferentes ejes de la colonialidad no lo permiten. La convivencia en la comunidad mostró que los residentes crean estrategias de resistencia para combatir el proceso de ocupación de sus territorios. Esta idea de resistencia que hemos descrito no se limita exclusivamente a la defensa del territorio; también hace referencia a la defensa de las formas de supervivencia y del estilo de vida comunitario que evidencian la identidad quilombola. Este contexto de resistencia de la comunidad se considera un universo de tensiones y múltiples problemas originados en el sistema colonial mundial, basado en las diferentes caras de la colonialidad, de donde emergen los saberes producidos en la comunidad quilombola que cuestionan otras formas de apropiación de la naturaleza.

Palabras clave: educación quilombola, decolonialidad, relaciones étnico-raciales, racismo ambiental

“If the river comes to an end, the community comes to an end”: pedagogical dimension of environmental racism

Abstract

This article aims to analyze the educational practices that emerge from conflict situations in which ancestry and the right to the quilombola territory are appreciated. From the narratives of the residents of the Barreiros de Itaguaçu community with regard to the conditions of retrenchment of their traditional territory, we wanted to contribute—through the production of knowledge about the environmental racism experienced by the community—with the hope of increasing its visibility in places where the different axes of coloniality do not allow it. Living together within the community revealed that the residents create resistance strategies to fight the process of occupation of their territory. This idea of resistance that we describe here is not limited exclusively to the defense of the territory, it also refers to the defense of the ways of survival and to the defense of the community way of life, which evinces the quilombola identity. This context of community resistance is considered as a universe of tensions and diverse problems engendered by the worldwide colonial system, based on the different faces of coloniality, from where the quilombola community-produced knowledges emerge, which query other ways of appropriating nature.

Keywords: quilombola education, decoloniality, ethnic-racial relations, environmental racism

Barreiros de Itaguaçu vive porque ali existe o rio Verde

O artigo aborda sobre a tríade: educação, justiça e racismo ambiental e é constituído por uma parte da pesquisa de doutorado do primeiro autor. O trabalho empírico se deu no território quilombola de Barreiros de Itaguaçu, no município de Itaguaçu da Bahia, Estado da Bahia, Brasil, localizado às margens do rio Verde, um afluente do rio São Francisco.

Os relatos orais de fundação da comunidade remetem ao final do século XIX, quando a fazenda Conceição — principal núcleo de trabalho escravo da região — foi desintegrada. A origem da maior parte das famílias que compõem o território quilombola é atribuída a ela. Melo (2019) descreve que é consensual, entre os moradores, que várias famílias foram constituídas a partir de ex-escravizados da fazenda Conceição.

O rio Verde é o principal corpo d´água que banha a região e historicamente representa, em sua utilização, a sobrevivência das comunidades que o cercam. É o espaço de motivações nas experiências de vida nos relatos movidos à memória e que enredam histórias que legitimam o sentimento de pertença e a vivência das pessoas que ali existem. Além de revelar o rio como parte constitutiva da história de Barreiros de Itaguaçu, os relatos apontam que ele é a referência básica para sua manutenção e sobrevivência.

Segundo os moradores da comunidade, a construção de diversas barragens em diferentes pontos à montante do rio faz com que ele mal consiga escorrer até os pontos mais baixos do seu curso. Seus efeitos são percebidos drasticamente pela comunidade, uma vez que nos poucos locais de acesso ao rio que ainda possuem, o seu leito está muito abaixo do normal.

A situação registrada fere o direito ao território utilizado tradicionalmente para as atividades de subsistência das famílias que vivem em Barreiros. Assim, era bastante comum a preocupação sobre o cerceamento do acesso em diferentes trechos do rio. Tal situação é problematizada na comunidade, sendo constante a preocupação com o futuro deste recurso (figura 1).

Figura 1

O leito do rio Verde transpassado por arame farpado1

As bases do racismo, na perspectiva da modernidade, da colonialidade e do capitalismo, convergem com as origens da degradação ambiental e das desigualdades sociais que recaem sobre as populações indígenas, camponesas e de matriz africana no Brasil (Barrozo & Sanchez, 2015). O agronegócio, a construção de barragens e a especulação imobiliária, dentre outros fatores, têm contribuído com a perpetuação do racismo ambiental e a concentração destas populações em zonas de sacrifício. O racismo ambiental é entendido como:

O conjunto de ideias e práticas das sociedades e seus governos, que aceitam a degradação ambiental e humana, com a justificativa da busca do desenvolvimento e com a naturalização implícita da inferioridade de determinados segmentos da população afetados — negros, índios, migrantes, extrativistas, pescadores, trabalhadores pobres, que sofrem os impactos negativos do crescimento econômico e a quem é imputado o sacrifício em prol de um benefício para os demais. (Herculano, 2006, p. 11)

Neste artigo temos a intenção de estabelecer um diálogo entre os campos da educação ambiental e da ecologia política, procurando construir uma reflexão que nos ajude a compreender as dimensões pedagógicas dos conflitos ambientais. Nesse sentido, pretende-se analisar as práticas educativas que emergem das situações de conflito, sobretudo, a partir das estratégias de enfrentamento e resistência nascidos das lutas sociais. A partir dessa análise será possível identificar um movimento educativo que busca valorizar a sua ancestralidade e o direito ao território quilombola.

Breves reflexões sobre o campo da ecologia política

A ecologia política confronta o domínio da racionalidade dominante instaurada e emerge como o campo onde se manifestam e se desenvolvem as estratégias de poder pela apropriação social da natureza que perpassam as relações dos seres humanos com seu ambiente, dentro de estruturas sociais hierárquicas onde os poderes dominantes enraizados nos modos de pensar e de produzir tem desterritorializado as culturas originárias.

As lutas em defesa dos territórios e da diversidade cultural constituem-se como políticas e ao mesmo tempo epistêmicas, isto porque a descolonização do conhecimento se configura tanto numa condição para a emancipação política-cultural quanto para a reconstrução dos territórios de vida. É neste aspecto que lançamos mão da vertente latino-americana da ecologia política, que busca compreender os conflitos além de sua materialidade, mas também em suas dimensões ontológicas (Escobar, 2016).

A ecologia política que nasce movida pelos ventos do sul abre seu olhar aos problemas ambientais daquilo que Leff (2016) denominou “terceiro mundo agrário”, que inclui os povos campesinos, indígenas e quilombolas, suas práticas tradicionais, os movimentos de resistência e o ativismo na reconstrução de seus territórios de vida. Portanto, “emerge de uma política da diferença enraizada nas condições ecológicas e culturais de seus povos, de suas estratégias de emancipação para a descolonização do conhecimento, a reinvenção de seus territórios de vida e a reapropriação do seu patrimônio biocultural” (p. 226).

O conceito de território, então deixa de ser pensado como a base física de exercício da soberania do Estado, tal como consagrado no direito internacional e na política, e passa a ser interpretado como o processo de apropriação e controle do espaço com seus recursos e suas gentes. E essa apropriação material vem acompanhada por um determinado sentido dado por uma cultura. Em outras palavras, o processo de apropriação da natureza é acompanhado, ao mesmo tempo, por uma tensa e intensa luta pelos sentidos a ela atribuídos. Assim, a natureza e a cultura são politizadas.

A perseverança das comunidades e dos movimentos de base étnico-territoriais envolve resistência, oposição, defesa e afirmação, que muitas vezes pode ser descrita em suas dimensões ontológicas (Escobar, 2014). Embora a ocupação dos territórios coletivos geralmente envolva aspectos econômicos, territoriais, tecnológicos, culturais e ecológicos, sua dimensão mais importante é a ontológica. Nesse contexto, quem ocupa é o moderno projeto do Mundo Único, que busca converter os muitos mundos existentes em um só; o que resiste é a afirmação de uma multiplicidade de mundos.

Baseando-se no que Escobar (2014) denominou de ontologia dualista — que separa humano e não-humano, natureza e cultura, indivíduo e comunidade, nós e eles, mente e corpo, o secular e o sagrado, razão e emoção —, essa modernidade se arrogou o direito de ser o mundo — aquele considerado civilizado, livre e racional —, à custa de outros mundos existentes ou possíveis.

Este autor refere-se a essas outras experiências de mundos como ontologias relacionais. Nesses mundos, todos os tipos de seres vivos dependem dos outros para sua existência e se entrelaçam num tecido imenso que evolui continuamente e essa existência não requer a separação da natureza e da cultura. Destaca-se nessa perspectiva que a pressão sobre os territórios, evidente em todo o mundo, pode ser vista como uma verdadeira guerra contra esses mundos relacionais e mais uma tentativa de desmantelar todo o coletivo.

Para Leff (2016), a territorialização da vida se desdobra em um espaço-tempo bio-físico-cultural, cognitivo-epistêmico, em que a própria vida se reconstitui na trama da vida, onde se entrelaçam as ontologias existenciais dos diversos seres culturais, dos povos indígenas, camponeses e quilombolas que habitam poeticamente e politicamente o mundo, em seus saberes, suas práticas e seus sentidos de vida; onde a vida se mundifica em diferentes mundos de vida e arraiga novos territórios de vida.

Tecendo interfaces entre colonialidade, (in)justiça e racismo ambiental

A colonialidade do poder construiu a subjetividade do subalternizado, se utilizando do conceito de raça como forma de manter um padrão de poder e de escala social que situa o homem branco acima dos índios e negros, compreendidos como identidades homogêneas e negativas (Oliveira & Candau, 2010). Neste sentido, Quijano (2005) explicita: “A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do poder capitalista. Se funda na imposição de uma classificação racial/étnica da população mundial como pedra angular deste padrão de poder” (p. 93).

Para este mesmo autor, o conceito de raça é uma construção social sem qualquer relação com processos biológicos. No entanto, é um conceito operante do ponto de vista político e social, uma vez que determina condições e lugares ocupados por negros e brancos na sociedade (Oliveira & Candau, 2010). Além disso, esse conceito operou a inferiorização de grupos humanos não-europeus, do ponto de vista da diferenciação da divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos conhecimentos. Quando o movimento negro e pesquisadores/as da questão racial discutem sobre a raça negra, parte-se do pressuposto desse conceito do ponto de vista político e social, com sua politização e com toda uma ressignificação que o mesmo recebeu dos próprios negros ao longo da nossa história (Gomes, 2017).

Outro aspecto inerente à colonialidade é a hegemonia do conhecimento, na qual a epistemologia eurocêntrica ocidental dominante não admite nenhuma outra epistemologia como espaço de produção de pensamento crítico nem científico. Essa hegemonia epistemológica da modernidade europeia anula o legado histórico e intelectual dos povos indígenas, africanos e afrodiaspóricos, tidos como primitivos e irracionais. Ao impor a colonialidade do saber sobre os não-europeus, evidenciou-se também uma geopolítica do conhecimento, ou seja, o poder, o saber e todas as dimensões da cultura definiam-se a partir de uma lógica de pensamento localizado na Europa (Grosfoguel, 2018).

Entretanto, é no conceito de colonialidade do ser que mais se explicita a força dos conceitos vistos anteriormente, ao remeter à ontologia decorrente do eurocentrismo moderno, eminentemente antropocêntrico, produtora de estereótipos e definidora de critérios de humanidade. A inferiorização, a subalternização e a desumanização, traduzidas na história da modernidade colonial pela negação de um estatuto humano para africanos e indígenas, caracterizam a colonialidade do ser.

Na busca por estabelecer um diálogo com o pensamento ambiental e com as discussões em torno da colonialidade, de forma a aprofundar reflexões sobre a relação do racismo ambiental à matriz da modernidade e do modelo capitalista de desenvolvimento, é oportuno destacar os argumentos capazes de justificar a aproximação entre uma educação ambiental decolonial, a interculturalidade e o movimento por justiça ambiental.

As injustiças geradas pelo modelo de produção capitalista vão além das desigualdades socioeconômicas. Elas interferem também no acesso aos recursos ambientais e na exposição à degradação ambiental. A ideia de justiça ambiental surge, então, para problematizar essa desigualdade ambiental a que estão submetidos determinados grupos étnicos e sociais, bem como para projetar estratégias que possibilitem a esses grupos o acesso justo e equitativo aos recursos ambientais e a garantia de não suportar uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas.

Nesse sentido, o movimento de justiça ambiental constituiu-se a partir de uma articulação entre lutas de caráter social, territorial, ambiental e de direitos civis, que apontam para a perversa relação existente entre risco ambiental, pobreza e etnicidade (Acselrad et al., 2009). Essa articulação possibilitou o diálogo entre diferentes conhecimentos e estratégias de luta. Igualmente, ampliou as reflexões e a mobilização social, e evidenciou o quanto injustiças socioambientais não se apresentam como casos isolados.

A Rede Nacional de Justiça Ambiental reconhece como aplicável ao contexto brasileiro a terminologia racismo ambiental, bem como mantém um grupo de trabalhos em tal âmbito. No mais, o reconhecimento do racismo ambiental, abordado como conceito autônomo e mesmo que compreendido como uma manifestação da injustiça ambiental, coloca em evidência a necessária análise dos fatores raciais nas situações de injustiça, porquanto uma abordagem predominantemente classista acabaria por encobrir e naturalizar o racismo na sociedade brasileira (Rangel, 2016).

Para algumas organizações de comunidades negras, as dinâmicas territoriais começam com o histórico projeto libertário de resistência ao sistema colonial e continuam no presente com a resistência cultural ao mercado e à economia capitalista (Escobar, 2014).

Em face da colonialidade, Kassiadou (2018) compreende que a educação ambiental, na perspectiva crítica, tem o compromisso de trazer a dimensão da realidade local, na perspectiva pedagógica dos conflitos ambientais, como estratégia de transformação da realidade local e a valorização dos saberes e fazeres das populações tradicionais que historicamente vivem em condições de vulnerabilização, invisibilidade, silenciamento e, por vezes, criminalização, reconhecendo assim, outras epistemes.

Para tanto, é necessário que essa perspectiva da educação ambiental dialogue com as discussões que envolvam o pensamento decolonial latino-americano. Esta compreensão é evidenciada a partir do pensamento de Walsh (2009), que nos aponta a importância de colocar no cenário — pensando a partir e com as lutas destes grupos — a interculturalidade crítica, entrelaçada numa pedagogia e práxis orientadas ao questionamento, transformação, intervenção e criação de condições radicalmente distintas de sociedade, humanidade, conhecimento e vida.

Ao assumir essa perspectiva da decolonialidade, fortalece-se resistências e confrontações necessárias na medida em que traz da perspectiva crítica uma reflexão que problematiza traços “conservadores” do processo educacional, e promove, pelo e no diálogo, uma relação de equidade entre as distintas cosmovisões num movimento decolonial que reflete sobre as intersecções de suas múltiplas faces, do poder, do saber, do ser e da natureza. Estas são importantes formas de enfrentamento do quadro de dominação, subalternização e hegemonia a que nos referimos.

Ao estabelecer um diálogo entre a educação ambiental e a decolonialidade, faz-se necessário assumir uma vertente de visibilizar as formas de enfrentamento e lutas dos grupos mais vulnerabilizados, e trazer para as agendas de prioridade no campo da educação ambiental os diferentes projetos de sociedade, para ressignificar práticas e apontar caminhos para a superação da linguagem hegemônica que ainda é permeada por propostas conservadoras que reforçam uma perspectiva de ocultamento das contradições e dos conflitos socioambientais (Kassiadiou, 2018).

Observada a importância da dimensão dos conflitos socioambientais nas práticas educativas ambientais, emerge outra reflexão que reforça a pertinência da articulação entre a educação ambiental, a ecologia política e o movimento por justiça ambiental: é necessário fortalecer e ampliar concepções pedagógicas e ferramentas metodológicas da educação ambiental, de maneira que se propicie a inclusão de demandas oriundas das populações tradicionais, dos movimentos sociais e das lutas populares, ao visibilizar suas vulnerabilidades e possibilitar formas de ruptura com as injustiças ambientais as quais estão submetidas estas populações.

Imersão metodológica

O território quilombola de Barreiros de Itaguaçu fica localizado às margens do rio Verde, afluente do rio São Francisco e, por se tratar de uma região de clima semiárido e com regime climático severo, o rio apresenta uma grande importância histórica e cultural na/para a comunidade. É um importante recurso, pois através dele é captada a água para a irrigação das lavouras, fonte maior de subsistência de sua população (Melo, 2019).

Iniciamos o processo de inserção na realidade da comunidade, onde o pesquisador se encharcou de vida, submergindo no cotidiano da comunidade e o vivenciando, num esforço para compreender o ponto de vista de seus habitantes. Neste momento, por se tratar de uma pesquisa sentipensante2 (Fals Borda, 2015), o pesquisador-educador deve sentir a realidade, para num segundo momento pensar sobre o que sentiu.

Essa fase teve por característica principal a inserção dialógica na comunidade, proporcionada a partir do necessário processo prévio de aproximação, empreendida como uma ação fundamentada no diálogo, na convivência e no respeito para apreender e valorizar saberes, atitudes, práticas sociais, posturas e compreender processos simbióticos com a natureza concebidos por pessoas que vivenciam experiências de vidas distintas.

O trabalho empírico ocorreu entre os meses de maio de 2017 e setembro de 2018 e, nessas ocasiões, realizou-se as observações, anotações em diário de campo, registros fotográficos e conversas casuais — ou não planejadas — com nove moradores da comunidades, mas que para este artigo trazemos apenas a narrativa de cinco sujeitos.

Ao trilhar estes caminhos, por meio de um diálogo prolongado, calmo e tranquilo, as vozes de pessoas historicamente silenciadas foram ouvidas: narrativas elaboradas e reelaboradas nas relações familiares, com a vizinhança, no contexto das práticas produtivas, enfim, num universo inacabado construído por homens e mulheres com linguagens e modos de ser, ver e viver o mundo que os caracteriza como sujeitos históricos, sociais e culturais.

Território, racismo ambiental e educação: saberes construídos na luta por emancipação

A partir de narrativas recorrentes dos moradores da comunidade frente às condições de cerceamento do acesso a diferentes trechos do rio Verde, à situação de exploração e degradação de uma de suas nascentes — Água Quente —, além das inúmeras barragens construídas que acabam por interferir no seu curso e fluxo, nasceu o desejo de contribuir — por meio da produção de conhecimento sobre o racismo ambiental vivenciado pela comunidade — na esperança de aumentar sua visibilidade num espaço onde os diversos eixos da colonialidade não permitem. Tal situação é problematizada na comunidade, sendo constante a preocupação com o futuro deste recurso. A situação exposta fere o direito ao território utilizado tradicionalmente para as atividades de subsistência das famílias que vivem em Barreiros.

Ao longo do desenvolvimento da investigação foi possível observar, a partir das narrativas apresentadas pelos sujeitos, a estreita relação estabelecida entre a cultura e a biodiversidade local, revelada através da memória biocultural de Barreiros de Itaguaçu. Nessa memória estão registradas informações que permitem a compreensão e apropriação da natureza, que é parte integrante do patrimônio material e imaterial dessa comunidade e, sobretudo, contribui para moldar suas identidades culturais. Esse processo de construção de identidades está fundamentado na luta dos povos quilombolas que envolve essas memórias, a ancestralidade, os saberes tradicionais e a sua territorialidade.

Em Barreiros de Itaguaçu, a estreita relação com a biodiversidade está imbricada de saberes e fazeres desenvolvidos a partir da vivência com o território e é nele que essas populações desenvolvem uma simbiose com a biodiversidade, bem como adquirem os saberes que são transmitidos pela tradição oral entre as gerações. Ao compreender, neste estudo, que a biodiversidade pertence tanto ao domínio natural quanto cultural, é importante chamar a atenção que é esse universo biocultural, enquanto conhecimento, que permite às comunidades quilombolas pertencentes aos territórios tradicionais entendê-la, representá-la mentalmente, manuseá-la, portanto, não há a possibilidade de desenvolver vida tradicional se não considerarmos que há uma ligação profunda entre a comunidade e a biodiversidade (Santos, 2019). Em tempos de grandes crises ambientais, as comunidades tradicionais têm muito a ensinar às populações não tradicionais sobre práticas coerentes de manejo e conservação da biodiversidade.

Considerando o processo histórico de configuração dos quilombos no Brasil e a realidade vivida pelas comunidades quilombolas, Santos (2019) afirma que a história dessa população tem sido construída por meio das mais variadas e distintas estratégias de luta contra o racismo, pela terra e território, pela biodiversidade, pela memória biocultural, pelo respeito à diversidade cultural e pela garantia do direito à cidadania. Esse histórico de luta tem o Movimento Quilombola e o Movimento Negro como os principais protagonistas que organizam as demandas das diversas comunidades quilombolas pelo país e as colocam nas cenas públicas transformando em questões sociais. São esses movimentos que denunciam que a situação de desigualdade e preconceito vivida pelos quilombolas vai além da questão da terra e do território e está intrinsicamente ligada ao racismo institucional e ambiental.

Em Barreiros de Itaguaçu, apesar de ter seu reconhecimento garantido pela Fundação Cultural Palmares desde o ano de 2004, a comunidade ainda aguarda a demarcação do seu território e a sua regularização fundiária pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária — INCRA. As violações, negações de direitos e de garantias fundamentais demonstram a omissão, a ineficiência e o racismo institucionalizado no Estado brasileiro. Este cenário, somado às atividades econômicas empreendidas pelos expropriadores do território quilombola, gera conflitos socioambientais que são agravados pela demora na regularização fundiária. O estado burocrático brasileiro foi e é um braço forte nesse processo de violação, e com sua política simbólica de reconhecimento, oferece um título de comunidade quilombola que não se traduz na posse legal e no direito de uso do território ancestral, sendo uma solução parcial que aprofunda e reforça as linhas abissais (Santos & Meneses, 2010).

Sobre esse aspecto, numa conversa com a moradora Luiza Mahin3, ela questiona se houve realmente a libertação do povo negro num contexto que a estrutura fundiária brasileira, caracterizada pela grande concentração de terras, os priva de acesso ao direito do território ancestral. Ela afirma que a expropriação do território é uma das bases da inferiorização dos/as quilombolas, pois, sem lugar são decretados como inexistentes, invisíveis e, portanto, sem direitos. Desse modo, configura-se a evidência do racismo ambiental, sobretudo entre as comunidades quilombolas.

A frase que leva o título desse artigo foi dita pelo diretor da escola de educação infantil de Barreiros de Itaguaçu. Sua preocupação com o rio Verde e com o futuro da comunidade foi reproduzida nas mais diversas narrativas de outros moradores da comunidade. O rio Verde é o principal corpo d’água que banha a região e, historicamente, representa, em sua utilização, a sobrevivência das comunidades que o cercam. Contudo, quase toda a extensão do rio que banha a comunidade atravessa propriedades particulares, condição que desencadeia uma das principais problemáticas vivenciadas pela população local: a falta de acesso à água, o que impede suas práticas produtivas, criação de animais, pesca, além de espaço coletivo para interação e lazer.

A apropriação das margens do rio por fazendeiros locais degrada o ambiente e ameaça diretamente os modos de vida quilombola e sua cultura, que está intimamente relacionada com a biodiversidade e a conservação dos bens naturais. Esse grupo étnico-racial, cuja história está fortemente relacionada com a questão territorial, sofre com a ineficiência do Estado em regularizar a situação fundiária e com os impactos ambientais resultantes, principalmente, das atividades de fazendeiros que degradam e exploram os ecossistemas. Por entendermos que as injustiças sociais e ambientais recaem de forma desproporcional sobre os/as quilombolas de Barreiros de Itaguaçu — por se tratar de uma população majoritariamente negra e pobre e tendo em vista que a negação do racismo conduz à perpetuação da situação de injustiça —, adotamos o conceito de racismo ambiental.

Diante disso, as pessoas da comunidade têm sido obrigadas a conviver com três aspectos decorrentes da não demarcação do seu território tradicional: (١) apropriação particular de trechos do rio Verde com cerceamento de acesso da população; (2) exploração econômica e degradação da nascente da Água Quente; (3) a construção de barragens em diferentes pontos do rio, fazendo com que mal consiga escorrer até os pontos mais baixos do seu curso. Esses três aspectos serão discutidos numa articulação dialógica entre as narrativas, apresentadas pelos quilombolas, permeada de saberes que educam por meio da prática, das lutas cotidianas, da memória e da oralidade que fazem emergir um rico processo pedagógico do existir no quilombo.

Neste sentido, abrem-se espaços de possibilidades de reprodução cultural, social e econômica que margeiam o rio Verde e o contorno dessas margens se configura nas diferentes categorias presentes nas narrativas: espaços de saberes, tradição, promoção da oralidade, proteção do território tradicional, identidade e pertencimento territorial e práticas de conservação ambiental. Ao dialogar e reconhecer a legitimidade desses saberes, e ao analisar as relações dialógicas entre os saberes tradicionais e os processos pedagógicos que emergem da resistência, pretende-se reportar algumas das ideias, percepções e sentimentos que fazem parte desses diálogos, tais como cruzamento entre identidades étnicas, saberes, modos de vida e reprodução da biodiversidade.

A convivência na comunidade durante as atividades de campo mostrou que os moradores criam estratégias de resistência, ainda que não exista um confronto direto com os fazendeiros — denominados pelos quilombolas como donos de terra — para combater o processo de ocupação das terras da comunidade. Apesar da apropriação desse território ancestral por parte dos donos de terra, a resistência do grupo se dá com o uso do território, manifestado na agricultura, nas dinâmicas comunitárias, nas relações sociais, nas reproduções culturais e nos espaços coletivos de interação e lazer. Essa ideia de resistência da qual descrevemos não se limita exclusivamente à defesa do território, mas também na defesa das formas de sobrevivência, de modos de vida comunitária na qual procuram evidenciar a identidade quilombola.

Escobar (2014), ao realizar estudos com comunidades afro-colombianas, aponta que esses grupos étnicos consideram estratégias para fortalecer o controle do território, a prevenção do deslocamento e o direito à paz e à vida em territórios coletivos. Entre as estratégias desenvolvidas, por exemplo, estão a recuperação do cultivo de arroz, a produção de açúcar, a autonomia alimentar, a promoção de conhecimentos e práticas tradicionais e o fortalecimento de organizações territoriais étnicas. Em outras regiões, milhares de mulheres e homens continuam defendendo suas vidas, territórios e culturas através de projetos alternativos de uso e manejo dos recursos naturais, criando zonas humanitárias, comunidades de paz e zonas de biodiversidade como alternativas à devastação causada pelo desenvolvimento promovido por atores ligados aos mercados globais.

A luta pela vida, pela dignidade e território indicam que a vida não pode ser pensada fora da natureza, como na tradição científica hegemônica eurocêntrica. As lutas em defesa dos territórios e da diversidade cultural sugerem que delas emergem mundos completos, denominados de mundos relacionais (Escobar, 2014). A existência desses mundos não requer a separação da natureza e da cultura — de fato, eles existem apenas porque são produzidos através de práticas que não dependem de tal divisão.

Para o autor, esse mundo conectado pode ser chamado de mundo ou ontologia relacional, em que “nada preexiste às relações que a constituem”. Em outras palavras, “coisas e seres só existem em relação aos outros, e eles não têm vida própria” (Escobar, 2016, p. 18). Existe, dessa forma, uma interdependência num mundo de seres — e não de objetos — em permanente confluência e movimento que se vão entrelaçando e formando um grande tecido que continuamente evolui (Santos, 2019). Essas ontologias relacionais pertencem a muitos povos originários, camponeses e de matriz africana que habitam — e não apenas ocupam — territórios nos quais vivem e desenvolvem-se de maneira completamente diferente e difícil de mapear ou medir na medida em que constituem uma lógica rizofórica, em que as práticas organizam-se interligadas com a natureza, e que, de fato, existem porque não separam natureza de cultura.

Esse mundo relacional era recorrente nas narrativas dos moradores de Barreiros de Itaguaçu, sobretudo quando se referiam ao rio Verde. Essa diferença ontológica encontrava-se viva nas palavras do Manuel Querino quando falava da importância do rio:

Moço, é uma importância muito grande, sei nem assim dimensionar a importância. É uma importância sem limite mesmo. Na realidade se eu tivesse aqui, vamos supor, se eu tivesse numa área dessa daqui sem essa água aí? O que seria de mim?

Manuel Querino relata a sua interdependência e, ao questionar a impossibilidade de viver sem o rio Verde, reforça a ideia de uma existência interligada com a natureza. Manuel Querino só existe porque existe o rio e, de fato, esse existir se constitui por adotar uma lógica que não separa natureza da cultura. Dentro dessa lógica, os humanos são parte da terra e de sua consciência. Não são existências individuais num mundo inerte. Todo ser vivo existe porque existem e existiram outros. Carolina de Jesus segue essa mesma linhagem e acrescenta:

É uma riqueza demais. Por que é essas coisas que a gente tem tirado do rio, pode dizer que é do rio, porque se não tivesse essa água, nós não tinha nada, não é não? É de lá, dá tudo pra nós, que nós planta. Tem a melancia, tem o feijão, tem tudo, tudo, tudo, tudo. É uma riqueza, uma riqueza pra nós. Sem o rio nós não vive [...] Pra chegar lá nós tomar banho, a hora que quer, toda hora que quer. Tem hora que eu tô lá na roça: “deixa eu ir ali no rio!”, chego lá dou uma caidinha e volto.

Destaca-se o termo riqueza que é aquele que produz vida e não aquela riqueza regida pela lógica capitalista, que converte a natureza — separada da cultura — em recurso, ignorando toda a materialidade de produção de vida e transformando em objetos a serem possuídos, destruídos para a obtenção de lucro; enfim, uma lógica que priva aquele mundo rico, de Carolina de Jesus, de sua possibilidade de existir.

Sobre esse aspecto cabe dizer aqui que os moradores da comunidade têm se confrontado com aqueles que ocupam os seus territórios valendo-se dessa lógica de exploração dos recursos. A mercantilização de áreas, como a nascente da Água Quente, é mais um fator de alteração das práticas dos moradores, demonstrando assim a inserção de uma lógica comercial privada para os recursos ambientais. Isso cria também diversas formas de acessibilidade para os de fora, que resultam na transformação paisagística do rio Verde, ao mesmo tempo dá outros sentidos de uso para eles. Nesse caso não serve apenas como espaço de lazer, mas também como espaço econômico.

A Água Quente é o começo de tudo, né? E quando a gente vê que ela deveria ser uma área mais preservada, mas tem dono, é triste. Como ela é da União, ela deveria ser preservada pelo governo, que deveria olhar mais para essa nascente. Porque se ela morrer sim, o rio Verde morre. (Marielle Franco)

“Infelizmente o governo não fez nada pra preservar esse rio até agora. E o pessoal acaba fazendo barragem, o triste que é uma barragem particular, uma barragem com dono dentro de um espaço que é público” (Milton Santos).

Os balneários ocorrem em barragens construídas em propriedades privadas dentro do território tradicional reivindicado pela comunidade. São usados como áreas de lazer e também são exemplos do uso privado dos recursos naturais como objetos de valor de troca, significando a dimensão econômica desses lugares de lazer, onde os benefícios não são repartidos com a comunidade (figura 2). Estes usos não são feitos com consulta ao grupo étnico e nem significam preservação do ambiente físico; muito pelo contrário, interferem no curso e no fluxo do rio Verde, geram lixo e poluição sonora que, neste caso, é socializado com todos; além de também trazerem problemas com relação à segurança para os moradores.

É comum entre os moradores a denuncia de que a construção de diversas barragens em diferentes pontos à montante do rio faz com que ele mal consiga escorrer até os pontos mais baixos do seu curso. Seus efeitos são percebidos drasticamente pela comunidade, uma vez que nos poucos locais de acesso que ainda possuem, o seu leito está muito abaixo do normal.

O rio Verde, de fato, é fonte de recursos para a prática produtiva e de lazer para os moradores daquela comunidade. O sentido de preservação emerge das experiências coletivas de quem ali vive e utiliza tradicionalmente como recurso para a sobrevivência. Ao que parece, o trecho do rio mais conservado é aquele que está inserido na área reivindicada pelo território quilombola para a titulação. Sobre esse aspecto o professor comenta:

A gente podia melhorar ainda mais, por que a gente não tem nem como fazer muita coisa justamente por causa dos grandes latifundiários que tem aqui. Inclusive pra você pegar os alunos da escola e andar no rio é complicado, porque o rio é todo transpassado de cerca. Eu já levei os alunos pra gente trabalhar assunto de geografia e é difícil você passar porque o rio é todo cercado e esse pessoal, eles visam lucro, eles não tão nem aí que esse rio acabe, quando o rio daqui acabar eles vão pra outro canto onde tem outro e assim por diante. (Milton Santos)

Figura 2

Placa indicativa de um dos balneários

Nota-se a pressão exercida pelos chamados donos de terra sobre o território tradicional quilombola. Essa narrativa do professor corrobora os relatos de outros moradores, que denunciam a falta de acesso a trechos do rio Verde como uma das principais problemáticas vivenciadas pela comunidade, que constitui seu território tradicional a partir do uso da terra, da água e das florestas e que vai se configurando sua identidade a partir dos processos simbióticos decorrentes da forma singular de apropriação da natureza.

O cotidiano dos moradores de Barreiros está, de certa forma, diretamente ligado ao rio Verde. Ao longo dos diálogos mantidos com os sujeitos informantes, íamos percorrendo trechos às margens do rio que compunham o imaginário daqueles sujeitos e que está retratado na vida social, econômica, cultural e religiosa. O rio faz parte da paisagem natural, da vida e das características da região. Representa, em sua utilização, a sobrevivência do território; o espaço coletivo de interação social e lazer; o recurso fundamental para as atividades produtivas. Dele se retira os recursos para a alimentação e a dessedentação humana.

É consensual também entre os moradores a narrativa de que o rio Verde representa a sobrevivência da comunidade. Os relatos movidos à memória legitimam a identidade e o pertencimento territorial. Ao apontarem como referência para a manutenção e sobrevivência, abrem-se espaços de possibilidades de reprodução cultural, social e econômica, categorias representativas da territorialidade quilombola.

Dentro do mundo relacional, a defesa do território, da vida e da terra é uma causa comum. O território se converte no habitat de mundos de vida diversos, na recriação, incorporação e sedimentação de modos de vida, das condições simbólicas e o sentido da existência do ser natural.

Considerações finais

Considerando o contexto de resistência da população quilombola de Barreiros de Itaguaçu, pode-se caracterizar este como um universo de tensões e múltiplas problemáticas em função do sistema mundo-colonial, assentado na colonialidade do poder, do saber, do ser e da natureza de onde emergem os saberes produzidos na comunidade que questionam outros modos de apropriação da natureza. Neste sentido, consideram-se também os sujeitos quilombolas como detentores de saberes relevantes para a compreensão dos seus modos de vida e do território onde habitam. A vida no quilombo é permeada de saberes populares que educam por meio da prática, das lutas, da memória e da oralidade. Não existe vida sem território e neste contexto há um rico processo educacional no existir no quilombo.

As discussões aqui apresentadas permitem enveredar por caminhos potentes para o fortalecimento da educação ambiental, da luta e da resistência quilombola, principalmente no que se refere ao enfoque de temas/categorias a serem anunciados nas pesquisas, quais sejam: racismo, racismo ambiental, práticas pedagógicas que valorizem a realidade da escola e da comunidade, educação a partir dos territórios, solidariedade, ancestralidade, entre outros.

Conforme foi mencionado por Melo e Barzano (2020), há um número significativo de pesquisas que nos últimos anos têm tratado sobre racismo ambiental e enfatizam a necessidade de ampliação das pesquisas que abordam esse tema, garantindo, de certa maneira, a possibilidade de traçar e potencializar diretrizes e políticas públicas para as comunidades quilombolas, além de promover justiça cognitiva na produção de conhecimentos.

Neste processo, é imprescindível lançar mão de perspectivas decoloniais, insurgentes e que contestam a perpetuação da colonialidade fundada na racialização, subordinação, exclusão e dominação; assim as pedagogias em contextos de luta e resistência podem viabilizar outras maneiras de ser, de existir e de se relacionar com a natureza.

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Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pelo financiamento da pesquisa por meio da concessão de bolsa de doutorado.


1 As imagens utilizadas neste trabalho fazem parte do acervo pessoal do primeiro autor.

2 Fals Borda defendia o desenvolvimento de pesquisas sentipensantes, entendendo que após sentir (experimentar-vivenciar) a realidade o pesquisador-educador seria capaz de pensar (refletir-elaborar) sobre a mesma de forma comprometida.

3 Os sujeitos da pesquisa serão apresentados com um nome fictício de personagens histórico no contexto afro-brasileiro que lhes emprestam a identidade para esse trabalho.