ISSN 2216-0159 e-ISSN 2462-8603

2021, 12(29), e11934

https://doi.org/10.19053/22160159.v12.n29.2021.11934

O cinema como recurso pedagógico promotor de engagement na educação superior

Sara Dias-Trindade, José António Moreira, Rosa Maria Rigo1

Universidade de Coimbra, Portugal; Universidade Aberta, Portugal; Serviço Federal de Processamento de Dados, Brasil

1rosa.rigo01@gmail.com

Resumo

A utilização do cinema no contexto educativo acrescenta oportunidades em espiral ascendente, fazendo aflorar sentidos e significados para novas e instigantes aprendizagens. A partir das múltiplas interpretações para um mesmo cenário, a utilização do cinema possibilita revelar, questionar e imortalizar muitas histórias, revertendo-se em novos posicionamentos, interlocuções ou novas interrogações, culminando em novas aprendizagens. Com base nesses pressupostos, o presente artigo tem por objetivo analisar se a utilização do cinema em contexto educativo pode promover e aumentar os níveis de engagement emocional, físico e cognitivo. Recorrendo a uma metodologia de cariz qualitativo, os resultados, baseados nas perceções dos estudantes, revelam que a utilização do cinema como recurso pedagógico pode ter efeitos muito positivos nas diferentes dimensões consideradas de engagement a nível emocional, físico e cognitivo, na partilha de saberes, na valorização da opinião dos pares, na motivação, na relação com a comunidade de aprendizagem e no interesse pelos conteúdos programáticos. São discutidas as implicações dos resultados encontrados, tanto do ponto de vista de intervenção prática em termos educacionais, quer em termos de possíveis contributos teóricos.

Palavras-chave: cinema, ensino e aprendizagem, engagement, ensino superior

El cine como recurso pedagógico para promover el engagement en la educación superior

Resumen

El uso del cine en el contexto educativo aporta oportunidades en una espiral ascendente, al poner de manifiesto sentidos y significados para un aprendizaje nuevo y emocionante. A partir de las múltiples interpretaciones para un mismo escenario, el uso del cine permite revelar, cuestionar e inmortalizar muchas historias, lo cual deriva en nuevas posiciones, nuevos diálogos o nuevas preguntas, que culminan en nuevos aprendizajes. A partir de estas premisas, en este artículo se pretende analizar si el uso del cine en entornos educativos puede promover y aumentar los niveles de engagement emocional, físico y cognitivo. Mediante una metodología cualitativa, los resultados, basados en las percepciones de los estudiantes, revelan que el uso del cine como recurso pedagógico puede tener efectos muy positivos en las diferentes dimensiones consideradas como engagement a nivel emocional, físico y cognitivo, en el intercambio de conocimientos, en la valoración de la opinión de los compañeros, en la motivación, en la relación con la comunidad de aprendizaje y en el interés por el contenido programático. Se discuten las implicaciones de los resultados, tanto desde el punto de vista de la intervención práctica en términos educativos, como en términos de posibles contribuciones teóricas.

Palabras clave: cine, enseñanza y aprendizaje, compromiso, educación superior

Cinema as a pedagogical resource to promote engagement in higher education

Abstract

The use of cinema in the educational context brings opportunities in an upward spiral, bringing out senses and meanings for a new and exciting learning. From the multiple interpretations of the same scenario, the use of cinema allows many stories to be revealed, questioned and immortalized, which leads to new positions, new dialogues or new questions, which result in new learning. Based on these premises, this article aims to analyze whether the use of cinema in educational contexts is able to promote and increase levels of emotional, physical and cognitive engagement. Using a qualitative methodology, the results, based on the students’ perceptions, reveal that the use of cinema as a pedagogical resource has very positive effects on the different dimensions of engagement at the emotional, physical, and cognitive levels, on the exchange of knowledge, on the appreciation of the opinion of peers, on motivation, on the connection with the learning community and on the interest in the programmatic content. The implications of the results are discussed, both from the point of view of practical intervention in terms of education, as well as in terms of possible theoretical contributions.

Keywords: cinema, teaching and learning, engagement, higher education

Ferro (1988) é ainda hoje uma figura incontornável no que diz respeito à utilização do cinema como fonte didática, tendo produzido diversos trabalhos sobre esta temática, argumentando que os filmes são tanto agentes como fontes históricas. Mas esta ambiguidade da representação fílmica, imagem e representação, como Ortoleva (1991) descrevia, tem conduzido sempre a debates mais ou menos intensos sobre a validade do uso das imagens em movimento enquanto fonte de trabalho quer ao nível da produção de conhecimento histórico quer enquanto instrumento didático para a aprendizagem da história.

Ferro (1988) e Burke (2004) destacavam ser necessário que o espetador não se esqueça de que, na maioria dos casos, não se encontra perante qualquer tipo de fonte histórica e que, perante a história filmada, há que lembrar que é um “ato de interpretação” (Burke, 2004, p. 200). Porém, como Lagny (2009) refere, “o cinema reencontra também as interrogações dos historiadores e as dúvidas que eles mesmos experimentam muitas vezes sobre suas próprias interpretações e, cada vez mais, sobre os vestígios deixados pelo passado” (p. 108).

Para além de poder servir como fator de motivação, ou como promotor de engagement, é importante construir uma capacidade de pensamento crítico sobre o cinema e sobre as diferentes tipologias de imagens em movimento que podem ajudar a retratar, de forma primária ou secundária, um passado histórico mais ou menos recente. Até mesmo, é importante ter a capacidade de usar filmes que à partida deveriam ser “marginalizados” pela sua fraca qualidade, mas que, com um olhar crítico e cuidadoso, podem até ser “testemunhos de uma série de tendências que fazem referência à vida quotidiana, facilitando o reconhecimento da nossa própria realidade” (Nogueira 2000, p. 41).

A educação para a linguagem fílmica é importante, sobretudo enquanto recurso valiosíssimo para o desenvolvimento de aprendizagens em geral e, em particular, no que toca à construção de conhecimento histórico. O filme pode ser não só uma fonte instrumental, útil tanto como forma de ver o passado reconstituído, como para compreender o pensamento do realizador ou das mentalidades da época. Aos estudantes cabe perceber e aprender a trabalhar no sentido de usar a análise fílmica como estratégia, também, de desenvolvimento do pensamento crítico.

Essa possibilidade de entender os filmes como exercícios de interpretação da história, que procuram estabelecer relações entre factos e explicações coerentes, aconteceu já a partir dos anos 60, altura em que começaram a surgir os primeiros periódicos de cinema especialmente dedicados aos historiadores, e as universidades começaram a contemplar cursos sobre estudos audiovisuais.

Articulando as possibilidades da reconstituição de cenários históricos recentes, em conjunto com a promoção do espírito crítico, a análise do contexto, do conteúdo, do que está presente no filme e mesmo do que não está, podem-se elaborar cenários educativos onde a aprendizagem de competências é promovida. Caparrós (2008) indica, precisamente, que o aprofundamento do cinema enquanto reflexo das mentalidades de uma sociedade e como matéria auxiliar para a história adquire assim um caráter científico mais dinâmico, em constante evolução e desenvolvimento metodológico.

Em contexto educativo, e em particular no que diz respeito ao estudo da história, a possibilidade de atrair os estudantes para diferentes contextos históricos pode contribuir para a construção de uma percepção do passado, fundamentada e contextualizada, para além de construir representações da realidade, conseguindo fazer emergir diferentes formas de ver, de sentir ou de pensar (Lagny, 2009). Rosenstone (1997) refere que “o mundo audiovisual une elementos que a história escrita separa” (p. 53), e consegue expressar melhor todo um contexto social, emocional e mesmo plurissignificativo da história, podendo permitir um maior envolvimento e engagement dos estudantes no processo de aprendizagem.

Em contextos de aprendizagem onde o “cinema pode ser a estrela” (Dias-Trindade, 2018, p. 113), conceber uma educação de qualidade requer estar aberto a contextos plurais, indo além das tradicionais formas de literacia. Ao utilizar o cinema neste processo, educar pelo olhar consiste em reconhecer que o outro

não pode me ver como eu me vejo, nem pode se ver como eu o vejo. O outro não pode ver a minha imagem que ele me devolve, a não ser através da imagem dele mesmo que eu devolvo quando nos olhamos. Só se vê a própria imagem se o outro nos olha .(Fernández, 2012, p. 30)

Levando-se em conta as múltiplas interpretações para um mesmo cenário, podemos considerar que o cinema revela, questiona, inquieta e imortaliza muitas histórias. Ao utilizar este recurso no presente estudo, almejamos ter elementos reveladores — ou não —, de engagement — emocional, físico e cognitivo — dos estudantes.

O uso do cinema na aula de história revela-se, praticamente, incontornável, tanto pelo seu apelo, como pela capacidade de fazer “reviver emocionalmente o passado, […] dando-lhe o estatuto, ainda que ilusório, de testemunha” (Dias-Trindade & Ribeiro, 2016, p. 29). Trazer para a aula de história o cinema, parece, assim, ser uma estratégia muito válida para promover o engagement dos estudantes e, consequentemente, facilitar os processos de aprendizagem.

Aspectos metodológicos

Neste item explicitamos os procedimentos adotados para analisar se a utilização do cinema como recurso de ensino de história contemporânea pode fomentar o engagement académico. As atividades pedagógicas centraram-se na análise de filmes e documentários, desencadeando posteriormente tarefas como: discussão via plataforma digital VideoAnt1, apresentações orais, trabalhos em grupo, culminando em produção escrita. A natureza da indagação levou-nos a considerar pertinente uma abordagem qualitativa onde as respostas obtidas foram submetidas a uma lógica interpretativa, apoiadas na escala de engagement elaborada por Burch et al. (2015) e adaptada por Carneiro et al. (2018). A referida escala busca analisar as três dimensões do engagement — emocional, física e cognitiva. Para a coleta dos dados, optou-se por realizar um inquérito distribuído presencialmente, contando com um grupo de vinte e um estudantes com idades compreendidas entre os 18 e os 52 anos, sendo nove do sexo masculino e onze do sexo feminino, pertencentes ao curso de graduação de História, de uma universidade portuguesa.

O estudo decorreu ao longo das aulas de História da Época Contemporânea, durante as quais todos os temas foram antecedidos da visualização de filmes, documentários, curtas metragens, com o objetivo de motivar para cada uma das temáticas que seriam estudadas. Reconhecendo o potencial do cinema no ensino da história (Dias-Trindade, 2020), este serviu sempre de mote para a promoção da aprendizagem, seguindo os modelos de Spiro (2002) e de Moreira (2017).

Para a análise dos resultados, apoiamo-nos nos pressupostos de Bardin (2010), considerando as três etapas: (a) pré-análise, (b) exploração detalhada dos resultados e (c) o tratamento dos resultados, sendo que a apreciação dos dados alicerçou-se a partir das categorias pré-definidas: percepção estudantil positiva, percepção estudantil neutra e percepção estudantil negativa.

Cabe explicitar que os termos “positivo” e “negativo” são usados aqui para não designar julgamento de valor, mas sim refletir a atitude implícita, o cumprimento de expectativas e normas, internalização e aprovação. Portanto, tal como referem Trowler e Trowler (2010), os termos “positivo” e “negativo” são vistos como produtivos, enquanto o comportamento que desafia, confronta ou rejeita pode ser perturbador ou obstrutivo, portanto, visto como contraproducente.

Com o intuito de organizar a informação de forma perceptível, optámos por codificar os dados baseando-nos em apenas três letras que derivam das três iniciais, quer para identificar os estudantes [Est1-Est21], quer para identificar as variáveis do engagement em análise. Assim para a dimensão emocional utilizámos as três primeiras letras da palavra “emocional”: [Emo1-Emo4]; para a dimensão física, as três primeiras letras da palavra “físico” [Fis1-Fis4]; e, por fim, para a dimensão cognitiva as primeiras letras da palavra “cognitivo” [Cog1-Cog4].

Análise dos dados

Visando compreender os impactos transformacionais quanto à utilização do cinema como recurso audiovisual para o processo de aprendizagem e fomento do engagement — emocional, físico e cognitivo —, apresentamos no quadro 1 a escala de engagement elaborada por Burch et al. (2015), e adaptada para o português por Carneiro et al. (2018), utilizada neste estudo como critérios para a análise dos dados coletados. A referida escala considera como dimensões:

Quadro 1

Escala traduzida para a versão brasileira — português

Dimensão de Engajamento

Codificação

Versão final traduzida/adaptada

Emocional

Emo1

Sou entusiasmado(a) com o curso.

Emo2

Sou um(a) aluno(a) interessado(a) no que se estuda no curso.

Emo3

Gosto de fazer as demandas — trabalhos, exercícios... — do curso.

Emo4

Sinto-me animado por frequentar às atividades — aulas, eventos — do curso.

Físico

Fis1

Dedico um grande esforço à realização de meu curso.

Fis2

Eu tento o meu melhor para ter um bom desempenho no curso.

Fis3

Empenho-me tanto quanto posso para concluir as tarefas demandadas no curso.

Fis4

Eu dedico muita energia para o curso.

Cognitivo

Cog1

Mantenho minha mente focada nas discussões e nas atividades de meus estudos.

Cog2

Costumo ser concentrado(a) durante as atividades de estudo.

Cog3

Participo bem de discussões e atividades relacionadas aos meus estudos.

Cog4

Sou bastante atento(a) durante as atividades de estudo.

Nota: Adaptado por Carneiro et al. (2018) de Burch et al. (2015).

Refira-se ainda que o presente questionário, e como já foi destacado anteriormente, teve como objetivo conhecer a opinião dos estudantes relativamente à estratégia pedagógica utilizada na unidade curricular História da Época Contemporânea, particularmente no que respeita à implementação de uma abordagem centrada no estudante e na construção coletiva do conhecimento, com recurso a dispositivos tecnológicos audiovisuais — filmes e documentários —, mas também ao debate em sala de aula física e virtual no VideoAnt.

A utilização do cinema como fio condutor para novas aprendizagens, parte de pressupostos onde o “mundo real, sentido através do olho, ouvido e tato, e atuado pela perna, mão e língua, gera um grande estoque de informações (corretas e incorretas) sobre esse mundo” (Simon, 1996, p. 87). Estas informações podem ser mantidas na memória de longo prazo e recuperáveis por reconhecimento ou por associação. Quando este “mundo real” é transportado para a tela do cinema, entram em cena ações, percepções e intuições de quem o produz, e por consequência, de quem o assiste. Este reconhecimento e apropriação de informações entre “mundos reais e ficcionais” revertem-se em novos posicionamentos, novas interlocuções ou novas interrogações, culminando em novos conhecimentos, a partir do mundo visto, vivido ou idealizado, reconhecendo que a fronteira entre conhecimento e habilidade é muito sutil (Simon, 1996).

Desse modo, procurámos compreender como a utilização do cinema como recurso pedagógico pode contribuir para desencadear os aspectos mencionados no quadro 2.

Quadro 2

Questões da pesquisa

Assim, a primeira questão procurou avaliar a percepção dos estudantes em relação a: envolvimento, motivação, satisfação e orgulho com os trabalhos produzidos a partir do conteúdo da disciplina.

Com a intenção de manter a ordem das categorias pré-estabelecidas, a primeira categoria referente às percepções estudantis positivas foi aquela que recebeu a maioria das referências, dezoito registos, atingindo um total de 85,71% de aceitação. A partir dos critérios pontuados pela escala de engagement, destacaram contributos muito significativos os estudantes: Est1, Est2, Est4, Est5, Est6, Est7, Est8, Est9, Est10, Est11, Est12, Est13, Est14, Est15, Est16, Est18, Est19 e Est20. Este resultado sugere, claramente, que os estudantes consideraram as atividades desenvolvidas motivadoras e seus níveis de satisfação e orgulho extremamente compensatórios. Ao analisar os relatos, percebemos que todas as variáveis da escala de engagement emocional (Emo1-Emo4) foram contempladas.

Em referência ao critério produção académica pertencente a escala Emo3, e à metodologia utilizada, os testemunhos destacam o facto de a estratégia e os recursos terem possibilitado aprendizagens mais robustas e significativas, casos de Est5, Est6, Est7, Est10, Est12 e Est15. Ainda em relação à metodologia, o Est14 destacou:

Relacionados com os critérios de satisfação e orgulho pela realização dos trabalhos, exemplificamos com o excerto de Est2:

Ainda em relação à satisfação com o conteúdo e a metodologia utilizada, destacamos alguns testemunhos alinhados com as varáveis de engagement em análise (Emo1-Emo4):

Os relatos destacaram, ainda, a relevância dos trabalhos escritos (Est05, Est6), as apresentações orais (Est4), os debates (Est1) relativos à dimensão Emo3.

Para complementar as opiniões acima apresentadas, elencamos no quadro 3 três excertos, que, na nossa opinião, reforçam algumas das ideias e argumentos expostos.

Quadro 3

Engagement emocional – percepção estudantil positiva

Estudante

Escala

Registo

Est5

Emo1

Emo2

Emo3

Emo4

Quando é fomentado o espírito crítico e uma maior motivação nas aulas, os estudantes sentem-se com maior capacidade para interagir com os temas de aula e desse modo, aprofundam os conteúdos selecionados com os trabalhos escritos.

Est12

Emo1

Emo2

Emo4

Os trabalhos fizeram-me manter ativa perante a matéria, e como estou no primeiro ano fiz com que eu tivesse este primeiro contato com o trabalho acadêmico, fazendo com que aos poucos a cada trabalho eu aprimorasse. E assim também gerando um maior interesse na matéria.

Est16

Emo1

Emo2

Emo3

Emo4

Senti-me muito entusiasmada. Feliz de tornar-me capaz de contextualizar fatos e atualizá-los, descobri também o mundo dos documentários [...] considero muito eficaz. O curso incrementou a minha curiosidade e a vontade de aprofundar os meus estudos fazendo muitas pesquisas.

Corroboram com as afirmações de Est5 e Est16 os estudos de Smith et al. (2013) ao pontuarem que o encorajamento e a interação suscitada pelo docente desencadearão a participação do estudante, bem como seu posicionamento diante dos conteúdos oferecidos. A mediação docente viabiliza também o desenvolvimento de competências, a aprendizagem cooperativa, as habilidades de trabalhar em equipa, culminando em satisfação para ambos — professor-estudante. Claramente, a síntese de ideias deste bloco evidencia características inerentes ao engagement emocional (Emo1-Emo4).

A narrativa de Est12, que destaca estar “cursando o primeiro ano”, merece uma referência particular, já que um corpo crescente de investigadores advoga a necessidade de dedicar atenção especial aos ingressantes (Kahu et al., 2017), isto porque o primeiro ano é considerado por estes investigadores como um período de transição — momento em que os estudantes precisam aprender a administrar e equilibrar dimensões ainda desconhecidas.

A segunda categoria — percepção estudantil neutra — obteve dois registos, Est3 e Est21.

Quadro 4

Engagement emocional — percepção estudantil neutra

Estudante

Escala

Registo

Est3

Emo1

Emo4

Sim, as aulas em complemento diferente das anteriores [...] o que é no caderno [...], ainda não tenho faltas que até para dizer que é um sinal de envolvimento com a disciplina.

Est21

Emo1

As aulas foram mais práticas, o que num curso só teórico se tornou uma lufada de ar fresco

Podemos perceber pelo registo de Est3 no quadro 4, uma aproximação conceitual às dimensões Emo1 e Emo4. No entanto, o seu testemunho não é muito claro, e por isso não se compreende muito bem o seu posicionamento. Apesar de referir envolvimento com a disciplina, não se percebem muito bem as razões desse envolvimento. Est21 considerou a experiência mais prática, como uma boa opção (Emo1). Acreditamos que a referência a “uma lufada de ar fresco” possa significar uma prática pedagógica diferenciada daquilo que é o habitual, com recurso a tecnologias e plataformas digitais. Contudo, estas informações pouco claras dificultam uma avaliação mais rigorosa e fidedigna.

Por sua vez, na categoria três — percepção estudantil negativa —, na questão 1, são apresentadas opiniões de estudantes que revelam sentimentos pouco positivos relativos à estratégia adotada. Por exemplo, Est17 refere:

Constata-se claramente, pela narrativa, que o estudante não se sentiu motivado com as atividades desenvolvidas, porque não se identifica com estes métodos mais ativos, preferindo metodologias mais conservadoras, mais magistrais. A metodologia adotou atividades práticas e dinâmicas, não contemplando desse modo, suas expectativas.

Relativamente à questão 2, que procurou identificar o empenho e dedicação no desenvolvimento de atividades pedagógicas definidas — dedicação à concretização dos trabalhos, empenho e qualidade dos resultados... —, os resultados mostraram uma tendência claramente positiva, como podemos verificar no quadro 5:

Quadro 5

Engagement físico — percepção estudantil positiva

Estudante

Escala

Registo

Est5

Fis2

Fis3

Para a realização do trabalho houve de minha parte uma concentração e aprofundamento maior, porque também nos foi dada a oportunidade de escolher livremente o nosso trabalho.

Est8

Fis2 Fis3

A realização dos trabalhos em grupo e mesmo as perguntas foram importantes porque desenvolvemos a capacidade de pesquisa da informação e cooperação com os colegas.

Est9

Fis2 Fis3

A realização do trabalho em grupo bem como os textos solicitados incentivou a uma investigação mais profunda das temáticas.

Uma leitura atenta das narrativas presentes no quadro revela uma proximidade com vários estudos nesta área, que sublinham a relevância das relações interpessoais, quer em ambientes analógicos, quer em ambientes digitais e virtuais. Isto significa reconhecer a importância de ambientes educativos caracterizados pela conectividade, rapidez, fluidez e abertura (Moreira & Vieira, 2017). Mehta e Fine (2015) e Sinay e Graikinis (2018), a este respeito, referem que a colaboração entre os pares permite refletir sobre novos conceitos, acrescentando novos conhecimentos na estrutura cognitiva existente. Por sua vez, a Unesco (2015) destaca que a espinha dorsal da aprendizagem é a formação de novas parcerias entre os alunos e o professor.

Em relação ao tempo dedicado às atividades, Est17 refere:

Ligada a esta ideia, Astin (1993) e Pascarella e Terenzini (2005) enfatizam a ideia de que o tempo e a energia que os estudantes dedicam a atividades com propósito educativo são os melhores indicadores da sua aprendizagem e desenvolvimento pessoal. Por sua vez, Dias-Trindade e Carvalho (2019), referem que a empatia pelo professor os ajuda a relacionar dados históricos do passado atrelado ao tempo presente, tornando a aprendizagem relevante.

Ainda nesta dimensão, Est2 relata:

Este relato denota que este tipo de abordagem, recorrendo ao cinema, superou as suas expectativas, convertendo-se numa experiência que possibilitou ampliar seu olhar para além da simples contemplação do filme. A este respeito, Sinay (2014) e Sinay e Graikinis (2018) sublinham que esta utilização de recursos audiovisuais pode afirmar-se como uma alternativa válida para aprendizagens e reflexões mais aprofundadas.

Por sua vez na questão três, que procurou analisar a atenção/concentração e participação nas atividades e nos debates realizados no decurso das aulas, concentração nos debates realizados, com participação ativa... características inerentes ao engagement cognitivo (quadro 6) —, verificámos que, na sua maioria, as percepções foram positivas. Os testemunhos evidenciaram que o cinema, enquanto recurso pedagógico, pode afirmar-se como um auxiliar poderoso no desenvolvimento da capacidade de pensar e compreender.

Quadro 6

Engagement cognitivo — percepção estudantil positiva

Estudante

Escala

Registo

Est2

Cog1

Cog2

Cog3

Como faço em todas as disciplinas, tento participar e incentivar a que participem. Neste caso com compensação adicional. Foi diferente de se fechar em uma sala de aula e ler livros. Também os li. Devido a estes, fui comprar e ler outros. Foi esta uma das grandes vantagens deste tipo de aula. Levar o aluno a descoberta de algo. Investigar. Considero que foi um excelente trabalho.

Est5

Cog1

Cog2

Cog3

Cog4

Nas aulas procurei sempre estar presente e concentrado. Nos debates procurei participar ativamente para expressão minha opinião, mesmo que fosse, por vezes, diferente de alguns colegas. Em conclusão, acho que este método será muito positivo para os alunos na sua aprendizagem e empenho nos temas, mas também nos retira alguma pressão sobre a realização da frequência.

Est12

Cog1

Cog3

Assim como nos trabalhos, nos filmes e documentários, os debates também eram esclarecedores, fazendo com que tomasse apontamento e pensasse de forma variada perante a série ou opiniões.

Podemos considerar que as narrativas de Est2, Est5 e Est12 aproximam-se da opinião de Saavedra e Opfer (2012) quando afirmam a importância de se reconhecer novas perspectivas, investigar o mundo além de seu ambiente imediato — conceitos, fatos, e teorias — e habilidades — métodos, ferramentas e técnicas —, de modo a comunicar ideias de forma eficaz.

Em relação à não participação ou pouca participação nos debates, apresentam-se alguns dos argumentos no quadro 7.

Na leitura destes resultados é importante esclarecer que a não participação nos debates não significa o não envolvimento nas demais categorias presentes na escala de engagement, porque, apesar dessa falta de participação, outras evidências denotam envolvimento com as demais atividades propostas, sendo que, no caso dos Est6 e Est16, esta menor participação foi justificada com o desconhecimento do assunto e dificuldades com a língua portuguesa.

Quadro 7

Engagement cognitivo — percepção discente neutra

Estudante

Escala

Registo

Est3

Cog1

Cog4

Nos debates não participei, mas foram momentos onde a turma aprendeu consigo através das trocas de opinião.

Est6

Cog1

Não participei muito nos debates pois não acredito ter conhecimento suficiente para o fazer — debate-se um tema quando dele se sabe algo, o que não era o caso. Daí ser importante uma exposição antes.

Est16

Cog1

A minha participação não foi assídua [...] dificuldades com a língua portuguesa.

Considerações finais

Conhecer e saber interpretar a linguagem fílmica é hoje, cada vez mais, uma competência importante. Saber interligar essa competência com o espírito crítico associado ao pensar histórico é também muito importante, pois “depois de um século passado sobre a invenção das imagens em movimento, os meios de comunicação visuais tornaram-se indiscutivelmente o principal portador de mensagens históricas na nossa cultura” (Rosenstone, 1995, p. 3)2. De facto, numa visão holística do processo educativo, interligando a trilogia cinema-educação-conhecimento histórico, podem ser criadas e desenvolvidas estratégias que se aproveitam umas das outras, associando importantes competências da linguagem fílmica e mediática com competências essenciais para a construção do pensamento histórico, de análise e interpretação de fontes, de pensamento crítico e de intepretação também de multiperspetivas.

A utilização do cinema como recurso pedagógico procurou aumentar a motivação e o engagement dos estudantes. Nesta lógica interpretativa, promover um processo de ensino-aprendizagem ligando o cinema e as tecnologias digitais à aprendizagem da história contemporânea mostrou ser uma experiência muito válida.

Nesta perspectiva, promover employee experience — experiência dos envolvidos —, significa procurar atuar com maestria diretamente em seu engagement, fortalecimento e valorização do capital humano. Nesta lógica, as experiências e percepções relatadas pelos estudantes evidenciaram que a proposta pedagógica foi estimulante, aumentando os seus níveis de engagement emocional, físico e cognitivo e com efeitos muito positivos, na partilha de saberes, na valorização da opinião dos pares, na motivação, na relação com a comunidade de aprendizagem e no interesse pelos conteúdos programáticos.

Desse modo, em linhas gerais, podemos afirmar que as metodologias utilizadas, com o recurso ao cinema, permitiram aos estudantes a possibilidade de interpretar outros olhares a partir dos olhares plurais do grupo turma. Novas visões e considerações significativas possibilitaram materializar descobertas singulares e culminaram num engagement a diferentes níveis, bem como no desejo de aprofundar os temas a partir da realização das tarefas.

Por fim, entendemos que a experiência trouxe contribuições expressivas e possibilitou formas de intensificar as relações de engagement académico de modo gradual e contínuo, abrindo precedentes para novas pesquisas a partir de outras alternativas conjugadas para avaliar novas métricas de engagement emocional, físico e cognitivo dos estudantes.

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1 O VideoAnt é uma plataforma digital gratuita de anotação de vídeo baseada na web para dispositivos móveis e desktop, desenvolvida pela Universidade de Minnesota. Disponível a partir de: https://ant.umn.edu/

2 Tradução nossa.