ISSN 2216-0159 e-ISSN 2462-8603

2022, 13(33), e13211

https://doi.org/10.19053/22160159.v13.n33.2022.13211

Formação de professoras e professores e educação do campo no Brasil: do movimento à escola

Fernando José Martins 1

1. Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

fernandopedagogia2000@yahoo.com.br

Resumo

A partir da construção coletiva da educação do campo (EdC) no Brasil, movimentos sociais e sujeitos do campo se encontram com o sistema educacional na formação de uma práxis que visa a responder a suas necessidades. Integrante desse processo, encontra-se a formação de professores. O texto visa a evidenciar a indissociabilidade entre a formação inicial e a formação continuada, e sua colaboração para a modalidade de EdC no Brasil. Metodologicamente, foram efetuadas uma revisão de literatura e uma pesquisa em fontes primárias documentais atreladas ao processo de observação e pesquisa participantes. Como resultados, têm-se: os princípios pedagógicos constituintes do movimento de EdC; as características sobre os cursos de formação inicial voltados especificamente para formação docente para as escolas do campo; e os processos/programas de formação continuada com a mesma especificidade juntos às unidades escolares do campo. Esses resultados sobre o balanço das atividades evidenciam que, construída com apoio dos movimentos sociais, a EdC se torna um movimento e que a articulação da realidade objetiva com as práticas escolares é central para a formação permanente.

Palavras-chave: formação permanente, educação do campo, movimentos sociais, políticas educacionais, escola

Formación de profesoras y profesores y educación del campo en Brasil: del movimiento a la escuela

Resumen

A partir de la construcción colectiva de la educación del campo (EdC) en Brasil, los movimientos sociales y los sujetos del campo se encuentran con el sistema educativo en la formación de una praxis que pretende atender sus necesidades. La formación del profesorado es parte de este proceso. El texto destaca la inseparabilidad entre la educación inicial y la educación continua, y su contribución a la modalidad de EdC en Brasil. En lo metodológico, se realizó una revisión bibliográfica y una investigación en fuentes documentales primarias vinculadas al proceso de observación e investigación participantes. Como resultados están: los principios pedagógicos que constituyen el movimiento de la EdC; las características de los cursos de formación inicial dirigidos específicamente a la formación de profesores para las escuelas del campo; y los procesos/programas de formación continua con la misma especificidad junto a las unidades escolares del campo. Estos resultados sobre el balance de las actividades muestran que, construida con el apoyo de los movimientos sociales, la EdC se convierte en un movimiento y que la articulación de la realidad objetiva con las prácticas escolares es fundamental en la formación continua.

Palabras clave: formación continua, educación del campo, movimientos sociales, políticas educativas, escuela

Teacher training and countryside education in Brazil: from movement to school

Abstract

Based on the collective construction of countryside education in Brazil (CE), social movements and country people meet the educational system in the formation of a praxis that intends to respond to their needs. Teacher training is part of this process. This text aims to evidence the inseparability between initial education and continuing training, and their contribution to the CE modality in Brazil. Methodologically, a bibliographic review and research in primary documentary sources linked to the process of participant observation and research were carried out. As results, we found: the pedagogical principles that compose the CE movement; the characteristics of the initial training courses specifically focused on teacher training for country schools; and continuous training processes/programs with the same specificity along with the school units of the country. These results on the balance of activities show that, once built with the support of social movements, CE becomes a movement and that the articulation of objective reality with school practices is essential to continuous training.

Keywords: continuing education, countryside education, social movements, educational policies, school

O presente artigo vai tratar da construção de processos de formação de professoras e professores de escolas rurais. Assim, a socialização de tais informações, ao ir além do território brasileiro, necessita de informações pormenorizadas devido às especificidades históricas e conceituais que esse debate tem no Brasil. Mais do que uma questão semântica, é preciso evidenciar que a expressão rural será substituída pela expressão do campo. Existe uma construção histórica, política e epistemológica no país, na qual o movimento atual de defesa das escolas do campo supera a expressão rural — marcada por atraso, preconceito e precarização. Assim, a educação do campo (EdC) em suas especificidades (Carldart, 2016) é construída como alternativa e superação da educação rural (Ribeiro, 2014). É necessário chamar a atenção para tal diferenciação, pois geralmente os estudos sobre a educação rural na América Latina — tanto os clássicos (Gajardo, 2014), quanto as publicações mais atuais (Mora, 2020), quanto as não publicadas no Brasil — não evidenciam tal questão terminológica. É mais do que isso: a EdC é um movimento (Anhaia, 2012) que ocorreu e ocorre em terras brasileiras.

Desse modo, a EdC é uma terminologia, uma categoria e um movimento, que se inseriu no rol das políticas públicas e na estrutura formal da organização educacional do país como uma modalidade. Mais de que isso, a concepção de tal prática como um movimento é um alicerce necessário para as análises sobre a formação de professores da realidade camponesa, pois o próprio movimento ao que nos referimos é intensamente formativo e é necessário que as escolas e os sistemas educativos considerem essa potencialidade (Faleiro & Farias, 2018).

O presente artigo procura evidenciar elementos da formação de professoras e professores no contexto da EdC no Brasil. Para isso, serão relatados os avanços nos marcos legais nos documentos oficiais referentes à educação — programas, iniciativas e processos de formação inicial, que se voltam especificamente para os sujeitos do campo — e, de forma necessária, os processos de formação continuada a serem realizados no interior das unidades escolares junto ao cotidiano escolar, no qual são retomadas premissas constantes de trabalhos anteriores (Martins, 2020) e também práticas socializadas nos veículos acadêmicos de divulgação científica.

Das exposições de práticas, políticas e debates, o que consideramos fulcral é a unidade dialética teleológica que o tema traz. O movimento de formação dos sujeitos do campo não se encerra no desenvolvimento de capacidades individuais, mas está atrelado a um projeto emancipador de sociedade. As práticas formativas estão inseridas numa ação emancipatória ampla, que envolve a escola, mas também o campo, os sujeitos que nele se relacionam e, sobretudo, processos sociais transformadores. Desse modo, o presente escrito relata práticas e debates de teorias, mas se põe em movimento na medida em que a realidade, tanto educacional como social, é, ainda, limitada e limitante.

Alinhado à finalidade teleológica, o processo formativo em si não é secundarizado. Assim, duas categorias — autonomia e autogestão — são essenciais tanto como finalidade do processo quanto como exercício prático durante os processos formativos. Estas categorias estão simbioticamente atreladas e são abordadas no interior do método dialético, visando à centralidade dos sujeitos envolvidos na construção de seus processos formativos.

Metodologia

Tradicionalmente, na lógica dos manuais de metodologia, o presente artigo traz estratégias combinadas de pesquisa bibliográfica, documental, com inserções na observação e pesquisa participantes. Porém, como o movimento dialético de fundo e de método é mais complexo do que a exposição das técnicas de pesquisa, faz-se necessária uma exposição dos processos realizados para a investigação.

Embora o próprio debate sobre a EdC no Brasil seja relativamente recente, iniciando-se na década de 1990, existem várias produções bibliográficas voltadas para a temática e delimitadas na formação de professores. Assim, faremos uma delimitação em obras clássicas e referências recentes para a composição do presente estudo, além do amparo em referências clássicas que coadunam com método aqui proposto.

A trajetória de constituição da categoria EdC no Brasil, desde sua gênese em contraposição à educação rural até a inserção como modalidade da educação nacional, gerou um conjunto de fontes primárias, pareceres, resoluções, decretos e leis que versam sobre a temática, cujo conjunto documental é fonte de pesquisa.

Quando nos referimos à pesquisa participante — vertente metodológica de inspiração freireana, que tem em Brandão (1999) um dos principais difusores no Brasil, como ocorre em outros espaços, por exemplo Fals Borda (1999) na Colômbia —, remetemo-nos não só ao conteúdo da metodologia, mas também ao formato da condição do pesquisador para obtenção de dados. Na condição de membro da Comissão Nacional do Programa de Educação na Reforma Agrária (Pronera), membro de fóruns e outros espaços da sociedade civil organizada vinculados à EdC e, ainda, docente em diversos processos de formação de professoras e professores, o autor deste artigo se insere na dinâmica da construção de experiências relatadas, seja na participação direta, seja no formato de observador participante.

Mediante tais estratégias de investigação, para encerrar a exposição metodológica, faz-se necessária também uma breve menção da exposição dos argumentos no artigo, pois como já disse o próprio Marx (2013), “sem dúvida, deve-se distinguir o modo de exposição segundo sua forma, do modo de investigação” (p. 78). Assim, ao expor os debates, o que nos roteiros se chama tradicionalmente de resultados, faremos uma discussão teórico-prática e dividida por temas, que abordarão: a trajetória da EdC como movimento, as políticas e programas presentes nos marcos regulatórios legais e, por fim, considerações sobre o processo formativo já no interior da realidade concreta, nas escolas, considerando a autogestão na prática.

Elementos constituintes da EdC em movimento

A educação rural no Brasil historicamente é sinônimo de precarização, que tem efeitos tanto no nível social como no educacional. Do ponto de vista social, o processo de expropriação do trabalho camponês e sua consequente proletarização produzem uma relação desigual e hierarquizada que desequilibra também a relação campo e cidade. Assim, temos a cidade como lugar de desenvolvimento e o campo como lugar de atraso, o que tem consequências estruturais graves, como a ausência dos direitos básicos de cidadania para o camponês. Esse fenômeno se replica no interior do sistema escolar, pois as escolas também padecem da precarização material. Os insumos educativos — materiais de expediente, didáticos e até mesmo de recursos humanos — são aqueles já descartados na realidade urbana. Além disso, na escola há um agravante: na esteira da chamada revolução verde — mudança de tecnologia produtiva que insere, por exemplos, os agrotóxicos na produção —, a escola cumpre a função também de treinamento para as novas demandas do capitalismo agrário. Vale ressaltar que os elementos aqui apresentados sobre a educação rural estão intensamente sintetizados e podem ser ampliados com as referências sobre o tema, mas contém os elementos centrais que sustentam os desdobramentos constituintes da EdC.

Frente a tal realidade precarizada e ao significado adverso da trajetória da educação rural no Brasil, a sociedade organizada, os sujeitos do campo e as instituições sensíveis às demandas desta modalidade educacional compuseram uma contraposição a tal estado de coisas. Do ponto de vista historiográfico, “em 1998, foi criada a Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo, entidade supra organizacional que passou a promover e gerir as ações conjuntas pela escolarização dos povos do campo, em nível nacional” (Santos, 2017, p. 205). Podemos chamar essa articulação de sujeito coletivo de defesa “por uma educação do campo”, que repudiava as limitações impostas pela educação rural e visava à construção de uma modalidade educacional marcada pela valorização do campo e seus sujeitos, pelo desenvolvimento local e pelo acesso aos saberes universalmente construídos. A ação desse conjunto de instituições, que de forma direta ou indireta congrega e são constituídas pelos sujeitos do campo, catalisa a pauta de necessidades dessa nova modalidade. As próprias apresentação e constituição formal do movimento foram organizadas pela multiplicidade de instituições que se somaram na construção da I Conferência Nacional por uma Educação do Campo, em

uma parceria entre o MST, UnB1, Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). (Santos, 2017, p. 216)

Este fato mostra a integração e a diversidade institucional do movimento. Uma síntese bastante expressiva para o conjunto das atividades é efetuada por Souza (2008): “São esses espaços públicos de debate e de formação política que adensam a construção de uma política, de fato, pública de educação do campo” (p. 1096).

Em termos de conteúdo, esse movimento apresenta três premissas fundamentais até chegar à escola propriamente dita (Martins, 2016). O principal dos elementos fora demonstrado na trajetória de sua gênese: trata-se do movimento social e seu princípio educativo. As instituições supracitadas só aderiram às demandas dos sujeitos e às demandas das práticas educativas do campo mediante a ação efetiva dos movimentos sociais que congregam uma ampla gama de camponeses: dos expropriados da terra até os pequenos produtores, são os sujeitos do campo os demandatários originais e os motores da história da EdC. O segundo elemento a ser destacado é o território no qual tais sujeitos, coletivos e individuais, estão inseridos: o campo. Nesse espaço, os camponeses residem, vivem, criam e recriam a sua existência. O espaço em si é também educativo, seja pelo trabalho, cultura ou saber popular. Esse campo, que fora subalternizado antes mesmo que a escola, é o espaço primário da lógica de precarização que a EdC combate. A defesa do campo como espaço de vida é a premissa que move os movimentos e as práticas educativas.

A conjunção desses dois elementos culmina em outro: a demanda e a luta por políticas públicas para os sujeitos, para o campo e para a educação. As políticas públicas como elemento fundamental da EdC cumprem um papel articulador dialético, pois é objetivo e objeto de superação permanente. Na condição de precariedade, a realidade camponesa demanda muitas vezes pelo básico — a existência da escola ou de uma estrada de acesso, por exemplo. Uma vez atingida essa conquista, a incorporação de outros elementos fundamentais, como a realidade local educativa, o caráter pedagógico dos movimentos sociais, busca inserções, demandando a lapidação das políticas nesse sentido. Nesse embate permanente, vão se construindo as políticas de EdC, programas essenciais para a formação de professoras e professores e marcos legais instituídos no regramento oficial.

O principal documento — bastante citado em obras científicas, não somente como marco legal, mas também, como conteúdo, pois expressa positivamente as demandas dos movimentos pela EdC — é a resolução que estabelece às Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Brasil, 2002). Esse documento traz uma importante síntese da trajetória, objetivos e significados do que é a EdC. Tal síntese também é um marco normativo inaugural das políticas de EdC que se consolidaram a partir de então. O texto da resolução supracitada é mais enxuto e direcionado de acordo com o gênero da linguagem exigido para a legislação. Porém uma conceituação presente como parágrafo único, em seu segundo artigo, cumpre uma função também conceitual. É interessante destacá-la:

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuro, ciências e tecnologias disponíveis na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções e qualidade social da vida coletiva no país. (Brasil, 2002, p. 1)

A citação acima sintetiza muitos elementos já referenciados, destaque importante para os movimentos sociais e, sobretudo, essencial para a percepção da identidade da escola do campo. Registra-se que houve também a complementação de tal legislação com diretrizes complementares, leis e decretos2. Porém, como não é objetivo central do artigo debater as políticas educacionais, centrar-nos-emos em excertos e menções que dialogam diretamente com a temática abordada, o que, no caso, diz respeito ao movimento que, necessariamente, é formado e formador das educadoras e dos educadores que estão nesse espaço.

Formação inicial: experiências e ações da EdC

Aqui não será adotado um formato de apresentação cronológica linear. Portanto, o primeiro dado que embasa a lógica da formação inicial de professoras e professores da EdC reside no final da década de 1990, mais precisamente na criação do Pronera, que “é fruto de um processo de discussão entre o MST e as Universidades, durante o I Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária — I ENERA, realizado em Brasília, em julho de 1997” (Andrade & Pierro, 2004, p. 28). Pode-se afirmar que o programa foi “arrancado” do Estado pelos movimentos sociais organizados. Originalmente, as primeiras ações se voltaram para a prática da educação de jovens e adultos. Logo se ampliaram para outras áreas de atuação e a formação de professoras e professores se tornou uma face importante do referido programa. Contudo, independente da modalidade de ação, o tripé de articulação — movimento social, universidade e política pública — é uma constante que se mantém como identidade.

Alguns dos principais fatores da adoção para formação de professoras e professores foram justamente a escassez de pessoal formado no campo e, ainda mais, a necessidade de uma formação com as especificidades necessárias para tal tarefa. Assim, também é necessário salientar que os primeiros cursos ofertados foram de pedagogia, visando à formação dos professores da educação básica. Esse fato é interessante, pois acaba nomeando uma categorização importante para os chamados cursos de “Pedagogia da Terra”, (Casagrande, 2008; Lima et al., 2021; Marques, 2010; Martins, 2012). Pode-se afirmar que não são assim chamados apenas por serem cursos de pedagogia, mas sim pela pedagogia que foram construindo em cada processo no qual foram editados. Os sujeitos envolvidos — sejam os camponeses, seja a comunidade universitária — aprendem e constroem processos pedagógicos diferenciados. O primeiro elemento reside justamente nos sujeitos de tais práticas. Os cursos do Pronera são voltados exclusivamente para beneficiários da reforma agrária, ou seja, sujeitos que têm vínculos com a terra. É uma política afirmativa, formada por sujeitos dotados de especificidades e construída por eles. Essa construção cria mecanismos pedagógicos importantes para os sujeitos do campo, que vão construindo a chamada pedagogia da terra. Salienta-se que não se trata apenas de cursos de pedagogia, mas nas áreas diversas da formação de professores: letras, história, geografia, ciências sociais, ciências da natureza, matemática e artes3.

A regra da construção para tais cursos é a demanda deles por parte da sociedade civil. São os movimentos de EdC que buscam e apresentam para as universidades suas demandas. Como os beneficiários são ligados às comunidades camponesas, o formato da participação deles não é o mesmo que a estrutura tradicional. Os estudantes passam tempos concentrados na universidade, que compõem os vários tempos educativos, que são os chamados “tempo universidade”. Quando os estudantes estão em suas comunidades, desenvolvem atividades educativas e formativas orientadas pela universidade e seu curso, o que é chamado “tempo comunidade”, no qual estão inseridas também atividades complementares, práticas, estágios supervisionados, pesquisas, entre outras possibilidades.

O conjunto desses tempos educativos e a prática que integra os espaços da comunidade e universidade compõe uma pedagogia de alternância4, que garante um vínculo orgânico entre a realidade local dos sujeitos e a formação universitária. Na outra ponta, no tempo universidade, os estudantes, ao viver a universidade durante longos períodos intensificados, constituem uma dinâmica educativa nessa convivência. Pode-se afirmar que, nesse formato, os estudantes exercem um processo de autogestão em suas atividades. “Por autogestão, entende-se um sistema no qual a coletividade se autoadministra. Portanto, não se trata de participar de um poder, mas de ter um poder” (Motta, 1984, p. 204). A clássica definição exposta pode parecer inatingível em processos educativos formais universitários, porém, o que ocorre nesses tempos universidade é condizente com o conceito: os estudantes organizam suas rotinas de estudos, seus grupos de trabalho, suas atividades de trabalho para sua manutenção, representação estudantil, tempo comunidade, entre outras atividades que desenvolvem em sua formação. Pode-se afirmar também que a dinâmica própria de tais cursos interroga as práticas cristalizadas no sistema formal de ensino universitário.

A partir da base pedagógica exposta, sintetiza-se o vínculo social da prática formativa com seus sujeitos, o que resulta, ao final, uma experiência exitosa em indicadores qualitativos significativos, mas sobretudo, por alcançar uma população antes alijada das políticas públicas e com taxas de efetividade contrapostas à evasão regular do ensino superior. Tais cursos sempre foram ofertados em caráter experimental, com turmas únicas e, dados seus resultados, serviram de base para outras políticas de EdC no cenário nacional, como é o caso dos cursos de licenciatura em EdC.

Salienta-se que o programa e, consequentemente, os cursos já relatados estão no âmbito das políticas de reforma agrária, vinculados ao antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário, e não ao Ministério da Educação. A partir dos mencionados êxitos e, por pressão do movimento de EdC, foram sendo construídas alternativas de ampliação de tais experiências com programas vinculados diretamente ao Ministério da Educação. Assim, foi constituído o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo), que “é uma política de formação de educadores, conquistada a partir da pressão e das demandas apresentadas ao Estado pelos movimentos sociais” (Molina & Hage, 2015, p. 135). Assim, os cursos no interior do referido programa são conquistas também do movimento de EdC.

A ampliação quantitativa de cursos que o programa impõe é um fator importante a ser destacado. Porém há uma série de questões a serem expostas no interior dessa ação: uma delas seria garantir os êxitos das inovações pedagógicas constantes dos cursos do Pronera. Há um acréscimo com a experiência do Procampo: o curso intensifica a necessidade da formação especializada para a realidade do campo e “cria” uma modalidade de curso também específica, a chamada “Licenciatura em Educação do Campo”, que são cursos voltados para a formação de profissionais aptos para desenvolver a docência e a organização e gestão do trabalho pedagógico na educação básica, sendo a docência voltada para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio. O conteúdo da formação é fator de destaque, pois:

Essas Licenciaturas objetivam ainda promover a formação de educadores por áreas de conhecimento, habilitando-os para a docência multidisciplinar nas escolas do campo, organizando os componentes curriculares a partir de quatro grandes áreas:

Artes, Literatura e Linguagens;

Ciências Humanas e Sociais;

Ciências da Natureza e Matemática;

Ciências Agrárias. (Molina, 2017, p. 594)

Esse formato de curso interroga duplamente a formação tradicional efetuada no Brasil. Primeiro, por se apresentar como um curso específico voltado para uma modalidade de ensino: a EdC, o que questiona a ausência nos cursos tradicionais do debate sobre tal especificidade. De outro lado, a formação por áreas de conhecimento interroga também o formato tradicionalmente instituído de formação disciplinar e estanque, que é dado ao profissional da educação. Organizado por áreas aproximadas do saber, essa formação questiona: por que as disciplinas aproximadas não podem dialogar em um processo formativo único? E ainda: por que isso não é efetuado na formação, se o ensino nas unidades escolares de educação básica é ofertado multidisciplinarmente? A implantação dos cursos tem forçado o sistema a se debruçar sobre tais questões, pois, depois da criação dos cursos, os sistemas educacionais necessitam regulamentar o exercício profissional dos professores egressos, o que tem gerado um debate importante para a formação de professores em geral no país.

As experiências dos cursos trouxeram interrogações e importantes debates sobre a especificidade da EdC, sobre o caráter interdisciplinar necessário para a formação das professoras e dos professores, sobre a função social da escola e sua relação com a comunidade e o desenvolvimento local e sobre metodologias. Como programa, foi uma ação provisória, porém, uma vez inaugurado, o debate e o formato adentraram a academia. “Em 2012, a partir da pressão dos movimentos sociais do campo, foram conquistados 42 cursos permanentes dessa nova graduação em todas as regiões do país” (Molina, 2017, p. 589). Essa informação significa que os cursos se tornaram parte da estrutura estatal, com reconhecimento público, e continuam tensionando os debates sobre a formação de professores.

As experiências destacadas evidenciam a possibilidade de efetivar processos formativos voltados para a especificidade da EdC e podem influenciar que os processos atinjam os cursos tradicionais de formação inicial de professoras e professores no Brasil, cujo locus, principalmente de formação para educação básica em seus primeiros ciclos, é o curso de pedagogia. Como regra geral, a EdC como componente curricular ainda não é massificada entre os cursos convencionais de formação de professores. Um estudo de caso sobre a temática mostra uma experiência na qual é ofertada no curso de pedagogia uma disciplina optativa sobre a temática. Os pesquisadores concluem: “Infere-se então, a relevância da oferta da disciplina de Educação do Campo de forma obrigatória” (Silva et al., 2021, p. 15). A consideração necessita se materializar nos cursos de formação de professoras e professores em geral para, ao menos, introduzir-se um debate necessário para o processo formativo docente.

Processo de formação continuada: a práxis escolar

Compreendemos que o conjunto dos cursos de formação inicial voltados para a realidade da EdC é necessário, porém, seja o mais específico, seja mais distante da realidade camponesa, necessita, efetivamente, de ser completado pelo processo de formação continuada e que se aproxime da realidade escolar. Nas palavras de Freire (2001): “A melhora da qualidade da educação implica a formação permanente dos educadores. E a formação permanente se funda na prática de analisar a prática” (p. 72). Diante de tal necessidade, vamos agora destacar possibilidades em processos de formação continuada atrelados às categorias fundamentais construídas no interior do movimento por EdC.

É necessário salientar que as bases de tal conceituação não são uníssonas no interior do debate educacional no Brasil. Circundam a problemática da formação de professores, interesses privados e posturas epistemológicas liberais e pragmáticas, que muitas vezes se distanciam do alicerce aqui proposto. Isso também se reflete nas bases legais quando se remetem ao conceito de formação continuada de professores. Os textos oficiais não definem de forma clara as premissas teóricas ou epistemológicas. Mediante tal flexibilização, utilizaremos uma instituição que materializa de forma coletiva e age conforme a dinâmica de um movimento social: a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), que, no interior de suas demandas científicas e políticas, sempre pautou a necessidade de uma formação continuada condizente com os pressupostos aqui associados. Assim, uma das presidentes desse movimento, conceitua, utilizando-se dos documentos da Anfope (1998):

A formação continuada é uma das dimensões importantes para a materialização de uma política global para o profissional da educação, articulada à formação inicial e a condições de trabalho, salário e carreira, e deve ser entendida como

continuidade da formação profissional, proporcionando novas reflexões sobre a ação profissional e novos meios para desenvolver e aprimorar o trabalho pedagógico; um processo de construção permanente do conhecimento e desenvolvimento profissional, a partir da formação inicial e vista como uma proposta mais ampla, de hominização, na qual o homem integral, omnilateral, produzindo-se a si mesmo, também se produz em interação com o coletivo. (Anfope, 1998).

Defendida pelos educadores como dever do Estado e das instituições contratantes — públicas e privadas — e direito dos professores. (Freitas, 2002, pp. 148-149).

A definição exposta coaduna com os princípios gerais aqui presentes: a perspectiva que se tem para a práxis da formação de professoras e professores no geral, alicerçada numa concepção de mundo alinhada ao método aqui utilizado. Também se alinha com a maioria dos pressupostos que constroem o movimento por uma EdC. Pormenorizadamente, alguns aspectos devem ser realçados:

Com base nesses aspectos, vale dialogar com os conceitos a partir da perspectiva de formação continuada voltada para as professoras e professores que atuam no campo.

O Dicionário de educação do campo5 conceitua a educação omnilateral como “a concepção de educação ou de formação humana que busca levar em conta todas as dimensões que constituem a especificidade do ser humano e as condições objetivas e subjetivas reais para seu pleno desenvolvimento histórico” (Frigotto, 2012, p. 267). Essas dimensões todas são extremamente caras para a prática da educação nas escolas do campo. A “leitura de mundo” que o camponês traz para a escola é, na maioria das vezes, refutada, quando não combatida por essa escola. Esses saberes populares, tácitos, ligados ao mundo rural, processos de trabalhos dotados de grande potencial educativo, necessitam ser inseridos na dinâmica do ensino e aprendizagem. Tal prática, do ponto de vista epistemológico, permite o diálogo também como princípio educativo do trabalho, que já é presente efetivamente no cotidiano do jovem do campo que se encontra, na maioria das vezes, alijado do processo escolar.

Ressalta-se também outro aspecto a ser abordado de modo pedagógico na escola do campo: o significado cultural que a circunda. Para a comunidade rural, a própria escola em si é um símbolo cultural. Soma-se a tal fato a diversidade de culturas que compõem tais comunidades, que contém diversos elementos educativos. Ainda, a localização geográfica das unidades escolares no campo permite diversificar processos e conteúdos ligados ao local e seu desenvolvimento. Atividades acerca da produção das tecnologias e procedimentos ligados ao campo, disciplinas que se produzem nas fronteiras dos saberes, como os debates acerca do meio ambiente, podem se somar aos conteúdos escolares tradicionais. O conjunto da formação omnilateral é a ampliação do alcance de desenvolvimento dos sujeitos, mas também é método e objetivo, ou seja, práxis.

A formação continuada pode efetivar a política de EdC no interior da escola. Não é gratuito que os relatos de experiência sobre o tema — conforme Franco e Costa (2020), por exemplo, e outras referências aqui citadas — tragam as próprias políticas, os textos legais, como conteúdo de processos formativos no interior das escolas. Afinal, compreender que, ao menos no âmbito formal, a EdC é uma modalidade escolar na qual os sujeitos envolvidos são dotados de direitos garantidos é um passo importante para o fortalecimento dos processos educativos. Essa dimensão da formação continuada, sua materialização enquanto política pública, se efetiva concretamente numa espiral dialética, intercambiando o chamado “chão da escola” com os regramentos institucionais e programas constituídos a partir deles.

No interior das demandas alcançadas pelo movimento de EdC no Brasil, faz-se necessário ressaltar as experiências dos programas de residência agrária, o escola ativa — hoje, escola da terra —, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens-Projovem Campo-Saberes da Terra, os já citados processos formativos do Pronera e do Procampo e as inserções acerca da necessidade de formação específica constantes do Plano Nacional de Educação, no decreto que formaliza o Pronera, o Programa Nacional de Educação do Campo-Pronacampo e legislações auxiliares6. Estas ações institucionais fomentam inclusive práticas de formação continuada no interior das escolas. Ressalta-se que a simples existência de tais programas e políticas não garante processos emancipatórios e, de acordo com o movimento de EdC, a efetivação é também um movimento de tensionamento. D´Agostini e Titton (2014), analisando-os, indicam “questionamentos sobre a apropriação de um discurso popular pelas políticas públicas de aceleração, flexibilização e barateamento dos custos com educação, com elevação dos índices de desenvolvimento na perspectiva capitalista” (p. 169). Em síntese, pode-se afirmar que a formação continuada de professoras e professores, também na EdC, é um processo que prevê uma articulação dialética entre o conjunto dos indicativos legais previsto no regramento oficial do Estado e a práxis escolar, realizada no interior das unidades escolares, efetivamente ligada ao cotidiano do processo de ensino e aprendizagem.

Os dois últimos aspectos constituintes da formação continuada, expostos anteriormente, interagem-se e se completam. Para compreender essa formação como ação sistemática, articulada com as condições de trabalho, salário e carreira, é preciso compreendê-la numa lógica de direito, parte integrante do processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, uma obrigação do Estado. Um dos enganos mais frequentes sobre tal concepção é o de que a oferta de cursos e palestras isoladas são de fato um processo de formação continuada. A pergunta que se faz é: qual é a continuidade desse processo? Ainda que o plano de cargos contabilize as horas de cursos como requisito para ascensão funcional, caso não seja uma ação sistemática, visando a um processo formativo, não há como se nomear tais atividades de formação continuada. A face mais importante de um processo formativo escolar é se vincular aos processos de ensino-aprendizagem, ou seja, ao chão da escola. Ao refletir sobre tais premissas e exercer a função de dirigente da educação, Freire (2006) sintetiza a prática do processo na forma que almejamos no presente artigo:

Será privilegiada a formação que se faz no âmbito da própria escola, com pequenos grupos de educadores ou com grupos ampliados, resultantes do agrupamento das escolas próximas. Este trabalho consiste no acompanhamento da ação‐reflexão‐ação dos educadores que atuam nas escolas; envolve a explicação e análise da prática pedagógica, levantamento de temas de análise da prática pedagógica que requer em considerando a reflexão sobre a prática e a reflexão teórica. (p. 81)

A citação de Freire mostra o conteúdo do processo formativo no movimento dialético de prática, teoria e prática transformada. Evidencia uma metodologia para o processo e indica uma sistematização necessária. Somam-se às reflexões as premissas que estamos destacando de que esse processo é um direito. Assim, temos a necessidade imperativa de que o espaço de formação continuada faça parte do cotidiano pedagógico e esteja integrado às tarefas de planejamento, avaliação e articulação do trabalho pedagógico permanentemente, além de se inserir na rotina remunerada do próprio processo educativo. Ou seja, assim como a docência, aulas e disciplina, a formação continuada necessita compor o dia a dia das escolas.

No caso da especificidade da EdC, intensifica-se a intersecção entre o universal e o particular. Também são conteúdos formativos as diretrizes e políticas educacionais afetas ao tema, que precisam serem internalizadas nos sistemas escolares. Dada à relevância dos espaços e territórios camponeses, a integração e o envolvimento das escolas com tal contexto também ganham caráter formativo para o conjunto escolar. A mediação entre saberes locais e populares com os conhecimentos científico e escolares necessitam tornar-se metodologias nas práticas de ensino-aprendizagem.

Igualmente necessário é incorporar, nas mais diversas realidades escolares distintas, a lógica de movimento social em que a práxis de EdC tem se constituído, o que implica em lutas, defesa de direitos de toda ordem, construções horizontais de políticas públicas e perceber que a construção de identidades coletivas, como são os movimentos sociais, é intensamente educativa e pedagógica. Assim, a escola do campo em sua plenitude é também um espaço em movimento.

De todo o processo formativo das professoras e professores, seja ele inserido na formação iniciada, tradicional ou voltada para os sujeitos do campo, seja no referido processo de formação continuada, nas características indicadas anteriormente, há um objetivo geral. A formação vislumbra um determinado ponto de chegada. Compreendemos, com o conjunto das afirmações efetuadas, que, na práxis da EdC, a autogestão visa à autonomia dos sujeitos, das escolas e da formação — é esse o objetivo. Tal objetivo se faz no processo formativo e também no horizonte de constituição de uma nova realidade. Ou seja, está na prática escolar, mas vai além da escola.

Portanto, a “educação continuada” como constituinte necessário dos princípios reguladores de uma sociedade para além do capital é inseparável da prática significativa da autogestão. Ela é parte integral dessa última, como representação no início da fase de formação na vida dos indivíduos e, por outro lado, no sentido de permitir um efetivo feedback dos indivíduos educacionalmente enriquecidos, com suas necessidades mudando corretamente e redefinidas de modo eqüitativo, para a determinação global dos princípios orientadores e objetivos da sociedade. (Mézáros, 2015, p. 75)

A citação é precisa ao envolver um processo formativo contínuo à superação da sociedade e das relações sociais na qual nos encontramos. Porém é sempre necessário ressaltar o movimento dialético da história e das práticas: a autonomia e a autogestão não são somente o horizonte, mas se dão como processo. Somente com processos formativos autônomos se criam políticas educacionais que garantem tal autonomia. É assim que se pode compreender a EdC, que se constitui a partir dos sujeitos de tal espaço, enquanto movimento. Ao se colocar em movimento, a escola se transforma e auxilia em processos de transformações mais amplos. Advoga-se aqui que a formação no processo educativo é uma ação indispensável para a consecução de tais objetivos.

Conclusão

Considerando o método e a práxis da EdC, a conclusão mais indicada não é o ponto de chegada, mas sim o movimento. Nessas considerações finais, explorar-se-ão as dimensões dessa categoria movimento na práxis da EdC, bem como sua contribuição para o processo de formação de professoras e professores. Relatamos que a base da construção da EdC no Brasil foi a junção de esforço coletivo dos movimentos sociais de luta pela terra que, em seu desenvolvimento e demandas por políticas públicas para o setor, torna os sujeitos da EdC, em seu conjunto, em si, um movimento. Tais procedimentos são base, inclusive epistemológica, da ação empreendida nas ações e tomam uma dimensão especial no processo formativo, reivindicando o princípio educativo do movimento social no interior dos cursos de formação de professores, voltados para especificidade da EdC, conforme pode-se identificar nas experiências narradas durante o texto.

Esse “conteúdo”, presente na gênese, na prática e também nessas ações de formação inicial, faz-se necessário, crucialmente, nas ações de formação continuada de professoras e professores. Tal processo é realizado mediante a articulação efetiva entre realidade escolar e formação. A incidência necessita estar no chão da escola, pois compreender interação da escola com o movimento amplo de EdC é transformador. No cenário geral das escolas que se encontram na zona rural brasileira, existem muitas unidades escolares que ainda se encontram alheias ao debate e à prática da construção coletiva do movimento de EdC. Esse é o desafio mais abrangente do processo formativo: alcançar todas as unidades escolares situadas no campo com a essência da práxis da EdC em movimento.

Isso implica no constante monitoramento das implantações e manutenção das políticas públicas. Ainda que se possa avaliar exitosa a conquista de políticas e programas para a educação no Brasil, vale ressaltar que, no momento em que o texto é redigido, muitas ações estão em refluxo. O Pronera se encontra precarizado em sustentação financeira. Os cursos atuais encontram dificuldades de manutenção e novos cursos não são abertos. O Procampo não teve reedições e os cursos permanentes são em menor número do que os oferecidos inicialmente pelo programa. Os demais programas de formação continuada estão encerrados ou em fase de encerramento. Assim o movimento de resistência é perene, pois, na sociedade atual, calcada nas desigualdades e concentração de renda, de terra e de poder, as classes populares encontram-se em desvantagem, mesmo frente a direitos conquistados.

Essa vigilância permanente está em concordância com o princípio fundamental da perspectiva em tela. Na transformação que se quer para a escola e às práticas educativas, há um projeto de transformação social. O movimento de EdC não é restrito à escola, diz respeito ao campo e aos camponeses. Esses sujeitos e espaços também dizem respeito à lógica produtiva, na qual a vida dos sujeitos está no centro dos processos. Por isso, a luta também é por alimentos saudáveis, sem veneno, por uma relação equilibrada entre o ser humano e o ambiente. Tal luta não se esgota nesses vínculos diretos. Busca-se uma sociedade na qual a desigualdade não afete as relações sociais no campo. Em síntese, o projeto de transformação contido na EdC é, também, um projeto de transformação social.

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1 MST é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e UnB significa Universidade de Brasília.

2 A obra citada (Martins, 2020) faz um apanhado dos marcos legais da EdC em seu segundo capítulo. Em suas referências, encontra-se tanto os documentos, quanto outros compêndios sobre o tema.

3 O Pronera também ofertou cursos não voltados para a formação de professores, como Direito, Agronomia, Administração, Medicina Veterinária, entre outros.

4 O texto contém conceitos que não são objetos primários do debate, como a alternância, que contém particularidades. Indicamos como leitura complementar o artigo de Ribeiro (2008).

5 O Dicionário da Educação do Campo (Caldart et al., 2012) é um importante instrumento teórico para a compreensão da EdC no Brasil.

6 Não é interesse do texto fazer análise específicas das políticas ou ainda conceituações mais detalhadas. Porém o conjunto de referências bibliográficas oferece um aprofundamento para os interessados.