Novos Sócrates: parrhesía e epiméleia heautoû nas atitudes dos rappers

Lara Sayão Lobato de Andrade Ferraz

Estudiante de doctorado en Educación

Universidad Católica de Petrópolis - Brasil

Brasillarasayao4@gmail.com

 

Artículo de reflexión

Recepción: 15 de diciembre de 2018

Aprobación: 31 de enero de 2019

https://doi.org/10.19053/22160159.v10.n23.2019.9734

 

Resumo

 

Esta escrita considera a filosofia como experiência de pensamento, fundamentando-se em Larrosa, Masschelein e Kohan, discutindo a postura socrática de epiméleia heautoû a partir de Foucault, na Hermenêutica do Sujeito e em O Governo de si e dos outros e a prática da parrhesía como filosofia para dialogar com as vozes vindas das ruas, dos rappers, defendendo a ideia de que são eles os novos Sócrates. Busca analisar os diálogos possíveis entre a cidade e a educação e reflete acerca da experiência política entre os jovens, uma vez que Sócrates frequentava a ágora pela participação política porque entendia que esta era uma obrigação. Cuidava de si cuidando que os outros cuidassem de si: uma responsabilidade. Para dar sentido a defesa de que são os rappers os novos Sócrates, este trabalho traz a fala das ruas, a partir de entrevistas e letras de rap.

 

Palavras-chave: filosofia, educação, RAP, juventude

 

Nuevos Sócrates: parrhesía y epiméleia heautoû desde la postura de los raperos

 

Resumen

 

En este texto se considera la filosofía como experiencia de pensamiento, según Larrosa, Masschelein y Kohan. Se discute la postura socrática de epiméleia heautoû, a partir de Foucault en La hermenéutica del sujeto; y la práctica de la parrhesía como filosofía, a partir de El gobierno de sí y de los otros, para dialogar con las voces que llegan de las calles: los raperos. Se defiende la idea de que ellos son los nuevos Sócrates. Se analizan los diálogos posibles entre la ciudad y la educación. Se reflexiona acerca de la experiencia política entre los jóvenes, ya que Sócrates frecuentaba el ágora por la participación política, al entenderla como una obligación. Cuidaba de sí buscando que los otros cuidaran de sí, lo cual es una responsabilidad. Para sustentar que los raperos son los nuevos Sócrates, se retoma el habla de las calles a partir de entrevistas y letras de rap.

 

Palabras clave: filosofía, educación, rap, juventud

 

The new Socrates: parrhesia and epimeleia heautou based on the position of rappers

 

Abstract

 

This text addresses philosophy as a thought experiment, according to Larrosa, Masschelain, and Kohan. The socratic notions of parrhesia and epimeleia heautou are discussed on the basis of Foucault’s Hermeneutics of the Subject; and the practice of parrhesia as a philosophy is discussed based on The Government of Self and Others, in order to establish a dialogue with the voices from the streets: rappers. It is argued that they are the new Socrates. The possible dialogues between city and education are analyzed. A reflection is developed on young people’s political experience, given that Socrates frequented the Agora because he perceived political participation as a duty. He took care of himself to help others take care of themselves, which is a responsibility. To support the claim that rappers are the new Socrates, the language of the streets is drawn from interviews

 

Keywords: philosophy, education, rap, youth

 

Les nouveaux Socrates : parrhesia et epimeleia heautou à partir de la position des rappeurs

 

Résumé

 

Ce texte porte sur la philosophie en tant qu’expérience de pensée d’après Larrosa, Masschelain, et Kohan. Les notions socratiques de parrhesia et epimeleia heautou sont discutées à partir de L’herméneutique du sujet de Foucault ; et la pratique de la parrhesia en tant que philosophie est discutée à partir de Le gouvernement de soi et des autres, afin de dialoguer avec les voix provenant des rues : les rappeurs. Il est soutenu qu’ils sont les nouveaux Socrates. Les dialogues éventuels entre la ville et l’éducation sont analysés. Une réflexion sur l’expérience politique des jeunes est effectuée, étant donné que Socrate fréquentait l’Agora car il considérait la participation politique comme une obligation. Il prenait soin de soi pour aider les autres à prendre soin d’eux-mêmes, ce qui constitue une responsabilité. Dans le but d’appuyer l’idée que les rappeurs sont les nouveaux Socrates, on reprend le langage des rues à partir d’entretiens et de paroles de rap.

 

Mots-clés : philosophie, éducation, rap, jeunesse

 

 

 

Introdução

 

Há um tempo venho pensando nos rappers1 como novos Sócrates a habitar a ágora contemporânea. Eles fazem seu som nas ruas, fogem dos espaços institucionais, provocam-se para duelos de ideias, apresentam-se com parrhesía — a coragem da verdade, a fala franca —, convocando a pensar as questões urgentes do tempo, da vida e da existência. Entendendo a filosofia como uma experiência do pensamento, como o que potencializa e faz pensar o mais profundo, o não pensado, o por pensar, aberta à viagem sem percurso previamente traçado (Kohan, 2013). Interrogo-me sempre se o que andamos fazendo nas aulas de filosofia na universidade e nas escolas ainda tenha alguma coisa a ver com a filosofia. Ao mesmo tempo, sinto a força das rimas sobre temas exigentes como uma convocação a pensar os reais problemas enfrentados diariamente pelos jovens em muitos espaços não frequentados por mim e pela maioria dos profissionais que se dedicam à educação; a me puxar para fora das salas de aula para pensar com mais intensidade as muitas vozes que são caladas na escola, mas que clamam nas ruas das cidades, na vida que pulsa para além dos textos, no cotidiano dos meus alunos.

Soma-se a essa inquietação uma experiência que tive quando, nos corredores da escola pública na qual leciono filosofia, C.E.D. Pedro II, ao convidar meus alunos para entrar em sala para as aulas, ouvi um grupo que rimava empolgadamente. Suas rimas concentravam-se em temas como as angústias jovens, racismo, violência, a vida dura, as esperanças, os amores e questões próprias da juventude. Entrei na roda, não para rimar, dada a minha incompetência, mas para ouvir. Observei que as ideias enunciadas nas rimas eram questões genuínas e expressavam suas inquietações e seus interesses, suas questões filosóficas. São meninos e meninas de 14 a 17 anos que têm muito a dizer e que, muitas vezes, ficam calados nas aulas, alguns até dormem. Parei para ouvir. O que estava dito de si naquelas rimas? O que eu deveria estar ouvindo sobre as questões filosóficas deles? Na ocasião, eu estava ensinando sobre o nascimento da filosofia na Grécia, o conceito de arché, elemento primordial, princípio substancial, principal interesse dos pré-socráticos e falava da filosofia justamente como encantamento, como thaumatzen, espanto gerado pela observação atenta do mundo, pelas questões que tocam fazendo pensar, questionar, como atitude de quem não se contenta com o que é dito e estabelecido, mas que busca, que pergunta, que fala, que quer mais. Naquela atitude de escuta às rimas no corredor entendi que estava calando as questões deles, o que lhes causava thaumatzem, falando sobre o encantamento dos pré-socráticos com a arché! Então, imaginei a empolgada discussão entre Tales e seus amigos Anaximandro e Anaxímenes sobre qual seria a substância presente em todas as coisas, origem e condição de existência: seria a água? o ápeiron, o indeterminado? o pneuma, o ar? Assim como o problema da origem intrigava e causava encantamento e espanto neles, outras questões tocavam e movimentavam o pensamento dos meus alunos e certamente não era a arché! Se meu objetivo era dizer-lhes do movimento que o pensamento filosófico gera, fazendo surgir as questões, então, eu tinha ali naquele corredor, cheio de rimas, um encontro filosófico, um turbilhão de conceitos e questões a serem aprofundados, como o conceito de liberdade, cantado pelo Vinicios, meu aluno:

A liberdade é uma coisa que não há
Você pode se expressar, mas alguém irá te julgar
Cada um com seu jeito cada um com seu estilo
Mas se mexer com parada errada, vai pro presídio
A sociedade hoje vive de sacanagem
Eu chego e te pergunto. O que é a liberdade?
Você acha que você se encaixa nessa sociedade?
Você pode fazer qualquer coisa na sua cidade?
A sociedade hoje com seus acontecimentos!
Você é livre de ter os seus próprios pensamentos?
Você é livre até pra ir ao céu.
Tanto assunto de liberdade em apenas um papel!

Assim, os convidei a fazer rima dentro da sala, deixei o que havia planejado e pedi que rimassem, fizessem música e poesia sobre o que quisessem e sobre a própria filosofia, sobre o que sabiam e sobre o que queriam saber, convidando-os, convidei a cidade, a rua, as vidas para entrar, houve thaumatzen! Encanto, espanto, filosofia!

Minha proposta neste trabalho é analisar os conceitos de filosofia como experiência de pensamento a partir de Larrosa (2014), Masschelein (2014) e Kohan (2013), discutindo a postura socrática de parrhesía e epiméleia heautoû a partir de Foucault, na Hermenêutica do Sujeito (2010a) — aulas de 06/01/82 e de 10/03/82 — e, em O Governo de si e dos outros (2010b), a prática da parrhesía como filosofia — aula de 9/03/83 —, para dialogar com as vozes vindas das ruas, dos rappers, defendendo a ideia de que são eles os novos Sócrates e, entre eles, meus alunos. Vejo sentido nesta experiência de reflexão uma vez que ela trouxe várias interrogações sobre as vozes da cidade que chegam nas mochilas dos meus alunos e que nem sempre permito que saiam de lá. Estabeleço uma relação com minha pesquisa, pois pesquiso as Olimpíadas de Filosofia no Uruguai e no Brasil, suas intencionalidades, seu ethos como favorecimento do encontro de pensamento solidário não competitivo, que não seleciona interlocutores, aberto às vozes dos alunos de diferentes localidades, mas que, acaba por atrair, na maioria das vezes, esses novos Sócrates, os que têm uma vontade imensa de fala franca e de pensar livre, não sendo um projeto atrativo para os alunos que estudam com objetivos muito claros de aprovação e competição. Em minha pesquisa busco entender quem participa das olimpíadas de filosofia, quem se interessa por elas, o que elas promovem, o que acontece como experiência de filosofar e de ensinar a filosofar. Percebo que esta reflexão me ajuda a pensar. Busco analisar os diálogos possíveis entre a cidade e a educação, não no sentido de usar as vozes das ruas para encaixá-las numa proposta didática pronta, fechada, tradicional, mas para pensar o que seria um efetivo diálogo. A reflexão sobre a experiência política entre os jovens se faz necessária, uma vez que Sócrates frequentava a ágora pela participação política, porque entendia que esta era uma obrigação. Cuidava de si cuidando que os outros cuidassem de si: uma responsabilidade. Apresento a fala de rappers e estudantes para investigar essa intencionalidade.

 

“As pessoas não são más, mano, elas só estão perdidas. Ainda há tempo!” (Criolo).

A vontade de rimar como Epiméleia heautoû

 

Quando eu era pequeno, eu tinha uma proposta

Muitas perguntas, mas todas sem resposta

A filosofia é uma coisa complicada

você tenta, tenta, tenta,

mas ainda não entende nada

Vários filósofos eram incoerentes,

respondiam a mesma pergunta

com respostas diferentes. (Vinicios Nogueira)

Por que a filosofia é necessária? Que filosofia é necessária? Em tempos tensos, nos quais a arrogância dos que detêm algum tipo de poder se impõe, essa questão se faz ainda mais urgente. De que estamos falando quando falamos de filosofia? De uma atitude? De um saber? De uma experiência? De um corpo de conhecimentos chancelado pela Academia? De uma tradição? Uma filosofia acadêmica é necessária? Para quem e para quê? Qual o lugar da filosofia na educação?

Defendo que a filosofia é antes uma atitude que um corpo de saberes, conceitos e estruturas de pensamento, só possíveis pela atitude filosófica. Tudo o que estudamos em filosofia, os muitos tratados e extensos textos complexos são fruto de uma atitude diante da existência com suas questões próprias. Como atitude, é também um labor, um trabalho exigente e árduo, um exercício, um esforço para pensar sobre o que se pensa e a partir daí, repensar o que se pensou, dialogar consigo, com o mundo e com o outro constantemente sobre as condições do próprio pensar, seus limites e alcances e, ainda, ser capaz de repensar, ler e desler o próprio pensamento. Geradora de incômodo, a filosofia tem sempre a tarefa de se justificar, de garantir sua relevância na vida e seu espaço na educação e talvez por esses motivos seja repetidamente atacada. Como atitude, não traz conforto, antes, angustia, desestabiliza porque problematiza o que parecia confortavelmente organizado pelo conhecimento até então alcançado. Saber muitas coisas (Larrosa, 2014), ter conhecimentos dá uma segurança que estabiliza permitindo uma sensação de controle sobre a vida. Ainda que estejamos numa era dos excessos de informação, não diferimos de outras nesse sentido, pois quem pensa que sabe muito sobre algo, tem sobre este campo o domínio que confere segurança e autoridade. Desde Sócrates, a prática da filosofia desperta repulsa, ódio, inimizades, calúnias, incômodos (Motta, 2005). Por que, então, insistir nela? Não seria mais seguro para a vida na pólis que, certos dos conhecimentos alcançados, organizemos nossas relações e nosso cotidiano sem muitos questionamentos?

Sócrates identifica virtude, sabedoria e a vida examinada, refletida, considerando como valor maior o compromisso de fazer os atenienses pensarem sobre suas vidas, questionando seu viver, seus valores e seus saberes:

Estimo-vos atenienses, e a todos prezo, porém sou mais obediente aos deuses do que a vós, e enquanto tiver alento e capacidade, não deixarei de filosofar e de exortar a qualquer de vós que eu venha a encontrar falando-lhe na minha maneira habitual: Como se dá, caro amigo, que, na qualidade de cidadão de Atenas, a maior e mais famosa cidade, por seu poder e sabedoria, não te envergonhes de só te preocupares com dinheiro e com ganhar o mais possível, e quanto à honra e à fama, à prudência e à verdade, e à maneira de aperfeiçoar a alma, disso não cuidas nem cogitas? E se algum de vós protestar e me disser que cuida, não o largarei de pronto nem me afastarei dele, mas o interrogarei, examinarei e arguirei a fundo. No caso, porém, de convencer-me de que é carecente de virtude, embora diga o contrário, repreendê-lo-ei por dar pouca importância ao que é de mais valor e ter em alta estima o que de nada vale. Assim procederei com quantos encontrar: moço ou velho, estrangeiro ou meu concidadão. Sim, primeiro com estes, por me serdes mais próximos pelo sangue. É o que me ordena a divindade, bem o sabeis, estando eu convencido de que nunca nesta cidade vos tocou por sorte maior bem do que o serviço por mim a ela prestado. (Platão. Apologia, 29d2-30a7)

Mais importante do que saber, Sócrates considera necessário reconhecer o não saber, não tomando nossas práticas como as melhores só porque são as nossas, mas duvidar do que se sabe, dos fundamentos da própria ação, questionando se estamos vivendo de modo justo, se o saber que temos está conduzindo a uma boa vida na pólis. Foucault ressalta que os preceitos délficos eram imperativos gerais de prudência: “nada em demasia” nas demandas, na esperança, no conduzir-se, no conceito sobre si mesmo, de maneira que se entendesse apenas um mortal e não um deus, não contando demais com suas próprias forças e sabedoria (2010a, p. 6). Por isso, Sócrates considerava sua ação na cidade um bem, o maior deles. E, ainda que recebesse em troca a hostilidade e as calúnias, preferia desagradar os homens que calar-se, privando os atenienses de serem questionados sobre suas ações e certezas, porque entendia que tinha uma responsabilidade para com a cidade e um dever para com os deuses: cuidar de si cuidando que os outros cuidem de si, ocupando-se de si mesmos mais que das riquezas. Ocupava-se de si, fazendo o que deveria fazer: cuidar que seus concidadãos cuidassem de si mesmos, buscando melhorar as suas almas, buscando a verdade e a sabedoria. Assim diz o Vinícios, 15 anos, sobre os motivos que o levam a fazer suas rimas:

Ah eu espero que passe alguma mensagem pra alguém, e que mude a vida de muitas pessoas ou mude a opinião delas, opinião que digo, tipo quando ela vai fazer algo errado e pensa naquilo que está no som ou no caso na música, é pra isso que eu faço rap.

Cochi, um rapper do Rio de Janeiro, de 27 anos, ao ser questionado sobre o que o leva a rimar, disse: “acredito que minha música produz reflexão sobre questões simples e cotidianas. Espero fazer algum bem pra alguém”. Em Fácil é ilusão, de fevereiro de 2016, ele aborda a dureza do cotidiano, que consome a maioria das pessoas na cultura contemporânea, reafirmando valores que não são de ordem material e que devem ser lembrados em tempos de opressão naturalizada:

Difícil é acordar com essa facada no seu peito

sabendo que o mundo inteiro quer botar defeito

no seu corre, no seu jeito, pra escapar ficou estreito

e paz no dia a dia eu só tenho quando eu deito

A rua oprime, os prédio oprime, os cop oprime

o crime continua sempre exposto na vitrine

o labirinto de cimento te consome por dentro

mas pra viver legal escuta aí que é 0800

Aproveitar o momento, desenvolver o talento

e seguir cursando pela correnteza do vento

Imagina sujeito se eu não pudesse cantar

se eu não tivesse a rima pra olhar pra vida e interpretar

Ah se não fosse meus coroa pra eu reclamar da vida

ouvir que tudo passa, a raiva passa, o amor fica

o corre é foda, o sonho é longe, a rua é zica

ah se não fosse os pastelzinho do Manolo na larica

Eu já sei que fácil é ilusão

mas manter os pés no chão nos impede de alcançar

Talvez, quando passar a confusão

eu te pegue pela mão e te leve lá

O conceito de epiméleia heautoû, o cuidado de si, é uma espécie de aguilhão que deve ser implantado na carne das pessoas, cravado na sua existência. Constitui um princípio de agitação, um movimento, uma inquietude permanente, que convoque a pensar sempre sobre o modo como estão levando a própria vida (Foucault, 2010a, p. 9). Sócrates é comparado ao tavão, um inseto que persegue e pica os animais, agitando-os, ao interpelar a todos na rua dizendo: “É preciso que cuideis de vós mesmos!”. Uma letra do famoso rapper Criolo afirma que as pessoas estão tão perdidas que é preciso fazer alguma coisa:

Cê quer saber
Então vou te falar
Porque as pessoas sadias adoecem
Bem alimentadas ou não
Por que perecem?
Tudo está guardado na mente!

Para Sócrates, o filosofar não era um direito, era uma obrigação, pois do filosofar dependiam os bons pensamentos e deles, as atitudes corretas. Logo, sem filosofia, seria impossível agir bem na pólis, e esse era o compromisso do cidadão. Por isso, insistia na atividade de incomodar as pessoas, pois entendia que todos os males eram causados pela falta do cuidado de si, ou seja, pela falta de reflexão filosófica — tudo está guardado na mente!. Na letra de Fácil é ilusão, o rapper Cochi fala sobre a forte opressão à qual estão condenados seus concidadãos, numa cultura competitiva e exploratória, lembrando que as coisas que dão paz são de graça — 0800 —: o talento, a música, o amor, a família, a correnteza do vento, como propunha também o filósofo grego Epicuro ao comparar a filosofia com o pharmakon e com a therapeúein, aconselhando o cálculo dos prazeres — exigente reflexão filosófica — para que se pudesse conhecer o que, de fato, era necessário para uma boa vida, pois entedia que o sofrimento dos homens era causado pela compreensão equivocada do que seriam os verdadeiros bens e prazeres e que esses eram fáceis de conseguir — 0800 — e os que causavam aflição, os mais difíceis de conseguir, ainda que desejados, eram caros e desnecessários (Epicuro, Carta a Meneceu, sec IV a.C.).

Numa época em que a escolarização parece criar zumbis, anestesiando consciências em busca de sucesso pelo consumismo, onde o conhecimento foi destituído de sentido e valor em si mesmo, valendo apenas em relação ao que pode proporcionar, num tempo em que a corrida pelos méritos através dos rankings e qualis oprime e cansa, os rappers aparecem como tavões a picar e fazer correr, mexer-se, incomodar-se, ocupar-se de si, fazendo pensar sobre o que se pensa sobre como se vive, como na citação do rapper Criolo sobre a origem das doenças dos pobres e dos ricos: “tá tudo na mente!”. O cuidado de si é uma atenção, um olhar mais para dentro de si que para fora, uma maneira de estar atento ao que se passa no pensamento, mas também provoca uma ação, uma vez transformado o pensamento. Este ordena a ação e ainda que pareça ter um sentido solipsista, de encerramento em si mesmo, o preceito de cuidado de si é sempre positivo, porque cuidar de si é uma atitude de atenção ao próprio pensamento que fomenta a atitude de atenção ao mundo e ao outro e uma ação na pólis mais atenta (Foucault, 2010b).

Masschelein (2014) propõe uma pedagogia pobre, não preocupada com o domínio do saber coisas, com as lições que propiciam segurança e poder, mas que oferece, em vez de explicações, interpretações, histórias e critérios, meios para tornar-se atento. Uma pedagogia pobre não promete benefícios, mas é generosa ao favorecer tempo e espaço para a experiência do pensar sobre o que se pensa e sobre como se vive, o cuidado de si (p. 50).

Assim, a experiência educativa estaria mais centrada na transformação do sujeito distraído em um sujeito atento do que no empreendimento de si para as conquistas de respostas e de coisas; mais na deslocação necessária para a compreensão da verdade que na posse de uma verdade instituída; mais um movimento no sujeito que no mercado ou na economia. Tal movimento é uma ascese, um árduo trabalho, um trabalho de si; trabalho esquecido na ânsia de dominar conteúdos e fazer avaliações para ser sempre o primeiro e melhor que os demais em critérios externos e superficiais. Enquanto a escola consome vidas, desvitalizando-as, a rua canta, rima, chama à atenção: Fica atento, muleke!

 

A parrhésia como uma ética e uma política poética. O rap é compromisso!

 

Um hábito dos rappers é fazer reuniões nas praças para a discussão de ideias através das batalhas de rimas. Os atenienses também se reuniam na ágora, pois consideravam que era com a discussão e com a palavra que cada um aprendia, pela prática do diálogo, o ofício do cidadão, seus deveres e direitos. Ainda que não fosse dado a todas as pessoas a condição de cidadão, apenas aos homens livres, essa prática favorecia o debate público para a construção democrática sobre o destino da cidade (Dietzsch, 2006, p. 729). Hoje, os rappers se reúnem para as batalhas de rimas que consistem em duelos de improvisação que demostram a intimidade e a destreza do pensamento e a palavra afiada. As batalhas de rimas nas praças podem ser consideradas uma ferramenta em prol da cidadania, capaz de dar voz às pessoas e até mesmo de torná-las sujeitos da cultura:

Antes eu era muito fechado e o rap me ajudou a me expressar melhor. Contribuiu na minha conscientização. O rap tem esse papel de voz da periferia e até de educador, que muitas vezes a escola, os pais e a televisão não fazem. Claro que o rap pode falar de alegria e de amor, mas não pode perder o viés crítico — que é importante para a cidadania. (Johnny Wilker, estudante de rádio e TV, organizador de batalhas na zona leste de São Paulo)

A cultura política brasileira não favorece o espaço para a palavra franca de todos os que querem se manifestar, pois os políticos, apesar de eleitos, são distantes e surdos. As mídias tradicionais editam cidades possíveis, servindo a seus interesses, aumentando a distância entre as muitas cidades que habitam a metrópole (Dietzsch, 2006). Não é tarefa fácil ler uma cidade, compreender seus textos, sua poética, perceber suas vozes nos labirintos e submundos que são mundos potentes submetidos a outras ordens, às ordens comunitárias, às escolhas dos indivíduos a partir de suas compreensões e valores. A cidade editada está na dimensão da lógica e a lógica não consegue ler a poética das ruas, não dá conta dela, pois a poética suspende o juízo, perturba e desestabiliza a ordem posta e naturalizada. O Estado não sabe o que fazer diante das manifestações criativas, fortes, eletivas, pois o Estado não tem força para criar comunidades; elas são criadas por afinidades eletivas, não dominadas (Buber, 2012).

Poiesis, do grego, é a capacidade de produzir algo de maneira criativa, de outro modo, de novo, por outros caminhos, surpreendendo o logos ordenador. A poética é sempre estrangeira porque é aquela que questiona, desafia com a sua presença. Por isso, a instância paterna do logos se prepara para desarmar a poética e para tratá-la como louca, principalmente quando ela contesta o que deveria ser evidente até aos cegos (Derrida & Dufourtamantelle, 2003). Nas rimas dos rappers, há a coragem de tornar claros os problemas da cidade, de fazer uma crítica sobre o modo que escolhemos organizar a vida, há uma denúncia sobre como estamos tratando a nós mesmos, e uma pergunta sobre o que estamos fazendo de nós. O termo parrhésia — o tudo-dizer, a coragem da verdade — refere-se à uma atitude moral, a um ethos e a uma téckhne — procedimento técnico —, necessários para o discurso verdadeiro, onde o que está em jogo é a franqueza, a liberdade, a abertura que faça com que se diga o que se tem a dizer, da maneira como se tem vontade de dizer, quando se tem vontade de dizer e segundo a forma que se crê ser necessário dizer (Foucault, 2010a, p. 334).

A lisonja é o adversário moral da parrhésia que se opõe também à retórica. A luta contra esses dois adversários muito íntimos — a lisonja e a retórica — é necessária para que, livre das regras da retórica — técnica —, seja possível a coragem da verdade — ética —, uma vez que o fundo moral da retórica é sempre a lisonja e o instrumento privilegiado da lisonja é a astúcia da retórica (Foucault, 2010a, p. 335). Num cenário político comandado pela retórica e pela lisonja, presidido pelo falso falar, os rappers entendem sua música como compromisso ético e como meio para expressar a indignação com o que está posto. Não se importam nem com a língua culta, nem com o discurso correto e socialmente aceitável. Expõem-se ao risco de serem considerados os loucos e desajustados sociais e até mesmos enquadrados numa dimensão marginal e criminosa. Denunciam o que deveria ser evidente até para os cegos:

A vida segue, fi, e te cobra em grana e o único jeito de pagar é deixando de fazer o que ama. Vende seu tempo e suas esperanças, dar um jeito de pagar conta pra não ter que pagar fiança. A vida é um baile, fi, e quem não ouve a música acha bem loki quem dança. (Masterdrin, 22 anos, Petrópolis, RJ)

As insurgências sociais de rua, principalmente aquelas que partem dos jovens, ora espontâneas, ora organizadas, são entendidas como uma oposição a uma democracia não concluída (Sousa, 2014, p. 166). Trabalhando com jovens do ensino médio e tendo participado do movimento de ocupação com meus alunos, tenho a percepção da juventude como uma fase da existência na qual queremos algo que nos convença, que seja autêntico, verdadeiro, ainda que não se saiba ao certo o que seja a verdade ou que se paute a vida por ela. Esse capitalismo selvagem disfarçado de democracia não convence os jovens. Há um profundo desejo de comunidade, de relações autênticas e de direito a cidade. As insurgências revelam que eles percebem que está sendo proposto um modelo empreendedor de sucesso que corresponde aos ideais capitalistas, não aos ideais democráticos e comunitários. Parte desse sistema, a escola reproduz um discurso de igualdade e uma ação que não valoriza a todos, não ouve a todos e incensa alguns em detrimento de muitos outros, por seus esforços ditos pessoais, quando representam apenas a adequação à lógica posta, não à poiesis, à criação, que é calada e muitas vezes até punida.

Alain Badiou critica o momento atual, ao compará-lo a 1968, dizendo que temos o mesmo problema: a figura clássica da política de emancipação é inoperante (como citado em Sousa, 2014, p. 160) e, como na caverna de Platão, o real se encontra encoberto por capas protetoras, mas mentirosas, e que nos momentos de crise, o real é revelado: por trás da democracia, o que temos é um sistema excludente e injusto que causa revolta! O mais perigoso é que essa revolta é calada por ares ingênuos de uma liberdade que não está consolidada. Penso que os jovens percebem isso muito claramente, como na letra de Masterdrin (acima): há uma necessidade de vender a vida para viver e ele sabe que é assim que tem que ser, por trás da capa protetora da democracia, há, calada, uma vida que corre sem esperança, com ares de liberdade, mas, prisioneira. Ou como denuncia Criolo sobre a cidade das oportunidades, dos sonhos de muitos brasileiros que abandonam sua terra natal em busca do proclamado sucesso capitalista:

Não existe amor em SP
Um labirinto místico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever
Numa linda frase
De um postal tão doce
Cuidado com doce
São Paulo é um buquê
Buquês são flores mortas
Num lindo arranjo
Arranjo lindo feito pra você

Não existe amor em SP
Os bares estão cheios de almas tão vazias
A ganância vibra, a vaidade excita
Devolva minha vida e morra
Afogada em seu próprio mar de fel
Aqui ninguém vai pro céu

A lisonja é a estratégia do inferior, na lógica do poder, para alcançar o seu superior e conseguir benefícios, fazendo o superior acreditar ser mais do que é, reforçando sua superioridade com um discurso mentiroso. A lisonja faz com que o lisonjeado se creia mais belo, mais rico, mais poderoso, considere-se em alta conta e com isso, impede que o superior se ocupe de si mesmo, cuidando de sua alma e analisando sua conduta (Foucault, 2010a, p. 337). Ao ter a coragem da fala franca, o rapper, novo Sócrates, aposta no compromisso que tem com a cidade e com o destino das pessoas, com a busca pela justiça e pela verdade. Falando coisas que não são boas de ouvir retira o véu que encobre a falsa democracia e a falsa igualdade de direitos. Lembrando para o perigo de se ter em alta conta a si mesmo e suas verdades, cuida de si, pois são eles muito críticos sobre sua própria conduta e sobre suas ideias, cuidando que os outros cuidem de si, avessos às lisonjas, cuidam que os poderosos cuidem de si, pensando sobre o que fazem e pensam.

Em sua pesquisa sobre a experiência contemporânea da política entre jovens no sul do Brasil, Sousa (2014) afirma:

É possível concluir que os jovens estão gestando novos modos de organização da vida cotidiana de negação institucional, novas formas sociais de enfrentamento da ordem, em que a matéria da política revela-se como uma luta contra a política como tecnologia e poder cada vez mais afastada da experiência emancipatória. Desse modo, qualificamos as manifestações juvenis contemporâneas analisadas como uma atividade política diferenciada daquela de que se ocupa a esfera institucional, com um sentido singular, não menos comprometida como instrumento de uma coletividade. Problematizamos a atuação política juvenil no quadro social atual, discutindo o que havia de político nos seus movimentos, ou onde é possível identificar a transferência do elemento político como “resposta humana” do jovem, uma vez que a política, pensada apenas no universo da disputa, limita a sua expressão contestatória. (p. 64)

Os rappers entendem sua música como um compromisso político. Seus conteúdos são eminentemente críticos e comprometidos com uma mudança das questões sociais mais urgentes, no entanto, recusam-se a participar das formas estabelecidas de participação política, numa expressão clara de rejeição da lisonja e da retórica, na busca pela poética da política que pressupõe uma nova política, um reavivamento do valor de uso da política, o reencontro da convicção sobre a ação. Na fala franca dos jovens estaria o reencontro da política na poética, a expressão das aspirações e dilemas cotidianos, da sua arte, do seu trabalho, do seu lazer, dos seus prazeres, da sua sobrevivência. Sua forma de agir permite a interiorização subjetiva de questões e passa a ser o próprio exercício de uma resistência plena para a conquista plena da democracia como valor ético a orientar o comportamento dos indivíduos, como visão de mundo, dando sentido à afirmação de que tudo é política quando ela se cotidianiza e faz sentido para a comunidade (Sousa, 2014, p. 67). Como deixa claro o meu aluno Vinícios:

Pois eu já falei, então vou falar de novo

As pessoas não deviam temer seu governo

O governo é que deveria temer seu povo

Com poucos motivos pra eu poder cantar

A liberdade é uma coisa que não há

Você pode se expressar, mas alguém sempre irá te julgar

E se você debater ainda sai prejudicado

Por culpa da sociedade ainda sai como errado

Ainda tem coragem de falar que você não é páreo

Não consigo entender está tudo ao contrário

Se está ao contrário. Eu vou reverter

Fazendo a revolução aqui no R. A. P.

Foucault fala de um deslocamento dos lugares e das formas de exercício da parrhésia, das assembleias e dos tribunais para a filosofia, ou seja, parece que na política não sobrou muito espaço para a fala franca, para a coragem da verdade, tendo ela se deslocado para a vida filosófica e esta se tornado o lugar da disputa pela verdade, o lugar do cara a cara, do labor honesto pela alteração de si para ser capaz da verdade (Foucault, 2010b, p. 309). Hoje, penso que a filosofia cedeu aos encantos da retórica e a prática filosófica à sedução da lisonja e talvez a parrhésia tenha se deslocado mais uma vez, agora, para a poética das ruas. Enquanto, erigimos edifícios conceituais e escrevemos tratados infindáveis para serem citados para que sejamos tomados em alta conta, exagerando na demanda sobre nós mesmos, os meninos cantam nas rodas das praças Devagar escola!

Do poeta João Paiva, frequentador de saraus da periferia de Belo Horizonte, campeão de batalhas de poesia falada

Es cola é por isso

Historia sem oficio

Oficina sem serviço

Rápido demais!

Quer andar e deixa pra trás

Reclama do atraso

Ritmo ditado

Ditado no ritmo da ditadura

São ditados de tortura.

Devagar escola!

É por isso que es cola

Senão não sai da escola

Escora lá fora

Espera acabar a prova

A prova de bala

Depois volta pra sala

Estuda moleque

Se não quiser ir pra vala

Mas a matemática é uma má temática

Deixa as criança estática

Sem utilidade na pratica

E sem contar a gramática

Que mais parece uma sátira

Vai devagar escola!

Senão es cola

E cê não pode reclamar

Cê faz eles de otario

Eles seguem o seu ritmo e tinha que ser o contrario

Cê é lugar de formação

Informação

E que formas são

Que cê usa pra fazer?

Com métodos arcaicos

De colorir mosaicos

Que nunca vão convencer?

E o que eles querem aprender,

Cê ta pronta pra falar?

Ou quer seguir no conteúdo

Vai não para nos estudo

Quadro cheio copia tudo

Devagar escola!

Es cola

E cê esfola a mente da galera

Controle social

Fecha a mente de geral

Educação de verdade

Oferece liberdade

Ajuda a comunidade

Ajuda na cidadania

Na luta de cada dia

Olha os moleque e alivia

Devegar escola!

Se não quer que es cola

Ensina algo que preste

Tira logo esse stresse

Você é o remédio

Pra acabar com esse tédio

Que impera nesse prédio

E com a indisciplina

Do ar

Dessa rotina

Escolar

Então ensina a amar

A todo mundo

É o que ta faltando no mundo

Mas devagar escola!

É por isso que es cola

Comunidade a sua volta

Vê se não ignora

Ensina sobre a história

Incentivando a luta de agora.

Essas mente que não explode

Escola vê se não fode

Desse jeito não pode

Os moleque pede: ACODE!

Alguma coisa que atraia

Que nos chame a atenção

E que nos livre da vaia

Do show da vida meu irmão

E não nos deixe que caia

Em qualquer boteco de esquina

Alimente a esperança

E o desejo de mudança

No coração das criança

Muita comida na pança

Preciso de confiança

Escola vê se avança

Mas devagar escola!

Que aí es num cola

E a cola vai virar uma ex-cola!

Vai ficar de enfeite,

Só um mero lembrete.

Os moleque tem sede

De saber

Descobrir,

Conhecer,

De sorrir,

Envolver,

Intervir,

Interver,

Saber ir,

Saber vir,

Saber ler,

E saber

Que pode contar com você, mas... devagar!

Escola!

 

Essa escrita fica por aqui, mas “É nois, tamo junto, mano!

 

Esta escrita é um exercício de pensamento provocado pelo assalto que tem sido as aulas e os encontros com os colegas e professores do curso de doutorado na UERJ. Saio do ‘É’ para o ‘E’, como propunha Deleuze (Zourabichvili, 2016). Saio de uma formação metafísica para uma viagem, alegre e leve, encantada e austera, que vem me machucando os pés, me fazendo suar a camisa, abandonar os vícios de um pensar pouco atento ao fora de mim, ao que vinha sendo. Ao mesmo tempo que me assalta e me tira do lugar, me alegra e me enche de gratidão por ser um acontecimento, algo que não domino e não me dá segurança, mas que me convida a ver com poiesis e vem ao encontro da verdade que habita minha prática, mas da qual não tinha tanta coragem. Essa escrita é também uma resposta ao estrangeiro, o outro, teimosamente outro, que tem outra visão de mundo e outra língua, que me convoca a pensar: os rappers, que com seus versos me fazem perguntas e se tornam questões para minha prática de vida e de profissão. É uma experiência porque atende ao chamado daquilo que me toca, me assalta, me colocando em perigo, me expondo (Larrosa, 2014). É também um diálogo quando me permite relacionar as práticas socráticas estudadas por Foucault, de parrhésia e epiméleia heautoû às práticas dos rappers, entre eles, meus alunos. Como acontecimento, me colocou no entre, me fez sair de um quietismo e me fez querer continuar caminhando. Não está acabada, está com ganas de caminhar. Acredito que é o início de uma pesquisa que pode refletir sobre muitas questões importantes, e creio que aponta para futuros caminhos: o uso democrático da linguagem, a educação da escola para a pedagogia pobre de Masschelein, a fim de que a escola esteja atenta, a educação nas rodas de rap, espaços de socialização e cidadania — o que elas conseguem fazer, sua potência como espaço transformador, uma nova política nascente, a política na comunidade, uma educação para a comunidade.

Defendo a filosofia como uma opção de existência, uma vida filosófica, de caráter privado e público. Privado, no cuidado de si, da própria alma, do próprio pensar, com rigor, sem arbitrariedade, para tornar-se capaz da verdade e agir com phrônesis —discernimento. Público, porque para a comunidade, para a capacidade do viver juntos, assim um ofício, constantemente dirigido a pensar o comum, anunciando e denunciando. Intriga-me e incomoda-me que tenha se tornado signo de distinção e ostentação, separada da vida da cidade. Daí meu encantamento pelos novos Sócrates e essas inquietações iniciais, este começo de viagem, parte do caminho.

 

Referências

 

Buber, M. (2012). Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva.

Dietzsch, M. (2006). Leituras da cidade e educação. Cadernos de Pesquisa, 36(129), 727-759.

Derrida, J., & Dufourtamantelle, A. (2003). Anne Dufourtamantelle convida Jacques. São Paulo: Escuta.

Foucault, M. (2010a). A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes.

Foucault, M. (2010b). O governo de si e dos outros. São Paulo: Martins Fontes.

Kohan, W. (2013). Ensino de Filosofia – perspectivas. Belo Horizonte: Autêntica Editora.

Larrosa, J. (2014). Tremores. Belo horizonte: Autêntica.

Masschelein, J. (2014). A pedagogia, a democracia, a escola. Belo Horizonte: Autêntica.

Motta, G. (2005). Gláucon, Adimanto e a necessidade da filosofia. Revista Kléos, 10(9), 87-113. Disponível em: http://www.pragma.ifcs.ufrj.br/kleos/K9/K9-Motta.pdf.

Sousa, J. (2014). A experiência contemporânea da política entre jovens do sul do Brasil. Disponível em: biblioteca.classo.edu.ar/gsdl/collect/clacso/index/assoc/.../RELATORIOJaniceTirelli.pdf.

Zourabichvili, F. (2016). Deleuze: uma filosofia do acontecimento. São Paulo: Editora 34.

1 A sigla RAP vem do inglês Rhythm and Poetry, Ritmo e Poesia. É um dos elementos da cultura hip-hop. Sua origem foi na Jamaica, na década de 1960. É um gênero de música popular, urbana, que consiste numa declamação rápida e ritmada de um texto, com alturas aproximadas.